REFLEXÕES
DO COMANDANTE-EM-CHEFE
A tirania mundial
Os
Fundamentos da Máquina de Matar
Aqueles que constituíram a
nação norte-americana jamais imaginaram que aquilo que estavam proclamando
nessa altura levava consigo, mesmo como qualquer outra sociedade histórica, os
gérmenes de sua própria transformação.
Na atrativa Declaração de
Independência de 1776, que na quarta-feira passada fez 231 anos, afirmava-se
algo que de uma maneira ou outra cativou a
muitos de nós: “Mantemos como verdades evidentes que todos os homens
nascem iguais; que a todos seu Criador confere certos direitos inalienáveis
entre eles a vida, a liberdade e a consecução da felicidade; que para garantir
estes direitos são instituídos entre os homens governos cujos justos poderes
derivam do consentimento dos governados; que sempre que uma forma de governo
tenda a destruir estes objetivos, o povo tem direito a reformá-la ou aboli-la,
e instituir um novo governo que seja fundado sob esses princípios e organize
seus poderes na melhor forma que segundo sua opinião garanta melhor sua
segurança e sua felicidade.”
Era o fruto da influência dos
melhores pensadores e filósofos de uma Europa abatida pelo feudalismo, pelos
privilégios da aristocracia e pelas monarquias absolutas.
Jean-Jacque Rousseau afirmou
em seu famoso Contrato Social: “O mais forte jamais é o suficientemente forte
para ser o amo, se não transforma a força em direito e a obediência em dever.”
[...] “A força é um poder físico; não vejo que moralidade possa derivar de seus
efeitos. Ceder à força é um ato de necessidade, não de vontade.” [...] “Renunciar à liberdade é renunciar à
qualidade do homem, aos direitos da Humanidade, inclusive a seus deveres. Não
há recompensa possível para aquele que renuncie a tudo.”
Nas 13 colônias
independizadas existiam adicionalmente formas de escravidão tão atrozes como
nos tempos antigos. Homens e mulheres eram vendidos em leilão público. A
emergente nação surgia com religião e cultura próprias. Os impostos sobre o chá
foram a faísca que desatou a rebelião.
Naquelas infinitas terras os
escravos mantiveram sua condição durante mais de 100 anos, e depois de dois
séculos seus descendentes sofrem as seqüelas. Existiam comunidades indígenas
que eram os legítimos povoadores naturais, florestas, água, lagos, rebanhos de
milhões de bisões, espécies naturais de animais e plantas, abundantes e
variados alimentos. Não se conheciam os hidrocarbonetos nem os enormes
esbanjamentos energéticos da sociedade atual. A mesma declaração de princípios,
se tivesse sido proclamada nos países que abrange o Deserto do Saara, não criaria
um paraíso de imigrantes europeus. Hoje
nos referiríamos aos imigrantes pobres, que por milhões atravessam ou tentam
atravessar as fronteiras dos Estados Unidos todos os anos, em busca de trabalho
e não têm direito nem à paternidade de seus filhos se nascem em território
norte-americano.
A Declaração de Filadélfia é
redigida numa época em que só existiam pequenas tipografias e as cartas
demoravam meses a chegarem de um país para o outro. Podiam ser contados um a um
os poucos que sabiam ler e escrever. Atualmente a imagem, a palavra, as idéias
chegam em frações de segundo de um canto ao outro do planeta globalizado.
Criam-se reflexos condicionados nas mentes. Não se pode falar do direito ao
uso, mas sim ao abuso da livre expressão e da alienação
Podemos ignorar as guerras de
saqueio e as carnificinas impostas aos povos pobres, que constituem as três
quartas partes do planeta? Não! São muito próprias do mundo atual e de um
sistema que não pode sustentar-se de outra forma. A um custo político,
econômico e cientifico enorme, a espécie humana é conduzida à beira
do abismo.
Meu objetivo não é reiterar
conceitos mencionados noutras reflexões. Partindo de fatos simples, meu
propósito é demonstrar o imenso grau de hipocrisia e a ausência total de ética
que caracterizam as ações, caóticas por natureza, do governo dos Estados
Unidos.
Em “A máquina de matar”,
publicada no domingo passado, eu disse que soubemos da tentativa de me
envenenar através de um funcionário do governo cubano que tinha acesso ao meu
escritório, foi conhecido num dos últimos documentos revelados pela CIA. Era
uma pessoa sobre a qual devia procurar informação, pois não possuía os
elementos de juízo necessários. De fato escusei-me por se feria os sentimentos
de algum descendente, for ou não culpável a pessoa mencionada. Depois continuei
analisando outros temas importantes das revelações da CIA.
Nos primeiros tempos da
Revolução eu visitava quase todos os dias o recém criado Instituto Nacional da
Reforma Agrária, que ocupava o prédio onde se encontra hoje o Ministério das
Forças Armadas Revolucionárias. Ainda não se podia contar com o Palácio da
Revolução, onde se encontrava nessa altura o Palácio da Justiça. Sua construção
foi um suculento negocio do regime derrocado. O principal ganho consistia no
aumento do valor das terras, das quais foram desalojados milhares de pessoas às
quais eu, como advogado recém formado, defendi gratuitamente durante meses
antes do golpe de estado de Batista. O mesmo acontecia com outras edificações
luxuosas que em muitos dos casos estavam em obras.
Dos escritórios do INRA
escutei, no dia 4 de março de
Sabe-se que tudo foi
programado minuciosamente desde o porto de embarque pela Agência Central de
Inteligência. O navio tinha transitado pelos portos de Le Havre, Hamburgo e
Amberes. Neste último, da Bélgica, carregaram-se as granadas. Nas explosões do
navio morreram também vários tripulantes franceses.
Por que, em nome da liberdade
de informação, não se revela um só documento que nos diga como a CIA há quase
já meio século fez com que estourasse o vapor "
Quais as minhas ocupações nos
dias febris que precederam o ataque pela Baía dos Porcos?
A primeira grande limpeza
realizada no Escambray teve lugar durante os últimos meses de 1960 e no começo
de 1961. Nela participaram mais de 50 mil homens, quase todos provenientes das
antigas províncias Havana e Las Villas.
Um rio de armas chegava em
navios da URSS que no estouravam quando chegavam aos portos. Foi inútil tentar
comprá-las de outra procedência e desta maneira evitar os pretextos que os
Estados Unidos utilizaram para agredir Guatemala, o que custou a esse país no
decurso do tempo, mais de cem mil vidas entre mortos e desaparecidos.
Na Tchecoslováquia adquirimos
armas ligeiras e um número de antiaéreas de
Pelo menos um ano tivesse
demorado a formação do pessoal necessário para utilizar aquelas armas
utilizando os métodos tradicionais. Foi levada a cabo em poucas semanas. A essa
tarefa fundamental dedicávamos praticamente o cem por cento de nosso tempo
durante dois anos após o triunfo da Revolução.
Conhecíamos da eminência do
ataque, mas não quando nem como seria levado a cabo. Todos os possíveis pontos
de acesso estavam defendidos ou vigiados. Os chefes, em seu lugar: Raúl em
Oriente, Almeida no centro e o Che em Pinar del Rio. Meu posto de comando
estava na capital: uma antiga casa burguesa adaptada para isso na margem
direita mais alta do rio Almendares, próximo ao ponto onde desemboca para o
mar.
Já tinha amanhecido, era o
dia 15 de abril, e desde as primeiras horas da madrugada ali estava eu
recebendo notícias da província de Oriente, aonde chegou procedente do Sul dos
Estados Unidos, um navio comandando por Nino Diaz, com um grupo de
contra-revolucionários a bordo vestidos com uniforme de cor verde-oliva similar
ao das nossas tropas, para desembarcar pela zona de Baracoa. Faziam-no como
manobra de engano a respeito do lugar exato da direção principal, para criar a
maior confusão possível. O navio estava já na mira dos canhões antitanques, à
espera do desembarque, que finalmente não aconteceu.
Também informavam que no dia
14 à noite tinha explodido, em vôo de exploração sobre a zona do possível
desembarque, um dos nossos três aviões a jacto, de treino, mas capazes de
combater, sem dúvida produto de uma ação ianque vinda da base naval de
Guantánamo ou de qualquer outro ponto do mar ou do ar. Não havia radares para
determinar com exatidão o que tinha acontecido. Foi assim que morreu o valioso
piloto revolucionário Orestes Acosta.
Do posto de comando
mencionado me correspondeu ver os B-26 que voavam quase rasantes sobre o lugar
e, poucos segundos depois, escutar os primeiros foguetes lançados de surpresa
contra nossos jovens artilheiros, que em grande número treinavam na base aérea
de Ciudad Libertad. A resposta daqueles valentes foi quase instantânea.
Não tenho por outra parte,
nenhuma dúvida de que Juan Orta foi o traidor. Os dados pertinentes sobre sua
vida e conduta estão onde devem estar: nos arquivos do Departamento da
Segurança do Estado, que nasceu por esses anos sob o fogo do inimigo. Os homens
de maior consciência política foram responsabilizados por essa atividade.
Orta recebeu os comprimidos
envenenados que propôs Giancana e Santos Trafficante a Maheu. A conversa deste
último com Roselli, que desempenharia o papel de contacto com o crime
organizado, teve lugar em 14 de setembro de 1960, meses antes de ser eleito e
da tomada de posse de Kennedy.
O traidor Orta não tinha
méritos especiais. Mantive correspondência com ele quando procurávamos o apoio
de emigrantes e exilados nos Estados Unidos. Era reconhecido por sua aparente
preparação e sua atitude solícita. Para
isso tinha especial habilidade. Depois do triunfo da Revolução, num importante
período teve com freqüência acesso a mim. Partindo das possibilidades que tinha
nessa altura, acharam que podia introduzir o veneno num refrigerante ou num
suco de laranja.
Tinha recebido dinheiro do
crime organizado por ajudar supostamente a reabrir as casas de jogo. Nada teve
a ver com essas medidas. Fomos nós os que decidimos isso. A ordem inconsulta e
não colegiada de Urrutia de fechá-los criava o caos e promovia os protestos de
milhares de trabalhadores do setor turístico e comercial, quando o desemprego
era muito alto.
Transcorrido algum tempo, as
casas de jogo foram fechadas definitivamente pela Revolução.
Quando lhe entregam o veneno,
contrário ao que acontecia nos primeiros tempos, eram muito poucas as
possibilidades de que Orta coincidisse comigo. Eu estava completamente ocupado
nas atividades referidas anteriormente.
Sem dizer uma palavra a
ninguém a respeito dos planos inimigos, em 13 de abril de 1961, dois dias antes
do ataque às nossas bases aéreas, Orta asilou-se na embaixada da Venezuela, que
Rômulo Betancourt pôs ao serviço incondicional de Washington. Aos inúmeros
contra-revolucionários asilados ali não lhe foi concedida autorização de saída
até que diminuíram as brutais agressões armadas dos Estados Unidos contra Cuba.
Já tínhamos lidado no México
com a traição de Rafael del Pino Siero, que depois de desertar quando apenas
restavam quatro dias para nossa saída rumo a Cuba, data que ele ignorava, vendeu a Batista por US$ 30 mil importantes
segredos relacionados com uma parte das armas e com a embarcação que nos
transportaria até Cuba. Com refinada astúcia dividiu a informação para ganhar
confiança e garantir o cumprimento de cada parte. Primeiro receberia alguns
milhares de dólares pela entrega dos depósitos das armas que conhecia. Uma
semana depois entregaria o mais importante: a embarcação que nos levaria para
Cuba e o lugar de embarque. Todos podíamos ser capturados junto com o resto das
armas, mas antes deviam entregar-lhe a totalidade do dinheiro. Certamente
recebeu assessoria de algum especialista ianque.
Apesar de sua traição, saímos
do México no iate “Granma” na data marcada. Algumas pessoas que nos apoiavam
achavam que Pino jamais trairia que sua deserção se devia a seu
descontentamento pela disciplina e o treino que lhe exigi. Não direi como soube
da operação feita entre ele e Batista, mas recebi a informação precisa e
adotamos as medidas pertinentes para proteger o pessoal e as armas durante o
trajeto para Tuxpan, ponto de partida.
Aquela valiosa informação não custou nem um tostão.
Quando finalizou a última
ofensiva da tirania na Sierra Maestra, tivemos que lidar igualmente com de
truques temerários de Evaristo Venéreo, um agente do regime que, disfarçado de
revolucionário, tentou de se infiltrar no México.
Era o enlace com a policia
secreta daquele país, órgão muito repressivo ao qual ofereceu assessoria no
interrogatório de Cándido González, ao qual colocaram nesse momento uma venda
nos olhos. Foi um dos poucos companheiros
que conduziu o automóvel onde eu me movimentava, militante heróico assassinado
depois do desembarque.
Evaristo regressou depois a
Cuba. Tinha o encargo de assassinar-me quando nossas forças avançavam para
Santiago de Cuba, Holguin, Las Villas e o Ocidente de nosso país. Soubemos
disso detalhadamente quando foram ocupados os arquivos do Serviço da
Inteligência Militar. Está documentado.
Tenho sobrevivido a inúmeros
planos de assassinato. Só o acaso e o hábito de observar cuidadosamente cada
detalhe permitiram-nos sobreviver aos ardis de Eutimio Guerra, nos dias
iniciais e mais dramáticos da Sierra Maestra, a todos os que depois foram
conhecidos como chefes da Revolução triunfante: Camilo, Che, Raúl, Almeida,
Guillermo. Tivéssemos morrido possivelmente quando quase conseguem exterminar-nos
com um ridículo cerco de nosso desprevenido acampamento, guiados pelo traidor.
No breve encontro que teve lugar, tivemos uma perda muito lamentável, a de um
operário açucareiro negro, maravilhoso e ativo combatente, Julio Zenón Acosta, quem
se adiantou uns passos e tombou ao meu lado. Outros sobreviveram ao mortal
perigo, e tombaram combatendo posteriormente, como Ciro Frías, excelente
companheiro e possível chefe, em Imías, na Segunda Frente; Ciro Redondo, que
combatia tenazmente o inimigo com forças da coluna do Che, em Marverde, e
Julito Díaz que, disparando sem cessar sua metralhadora calibre 30, morreu
muito perto de nosso posto de comando no ataque a El Uvero.
Estávamos emboscados num lugar bem escolhido,
à espera do inimigo, porque conhecíamos os movimentos que ia fazer esse dia. Descuidamos nossa atenção por uns minutos
quando chegaram dois homens do grupo, que enviamos como exploradores horas
antes de tomar a decisão de movimentar-nos, os quais regressaram sem informação
alguma.
Eutimio guiava o inimigo com
guayabera branca, o único que se via na floresta do Alto de Espinosa, onde
estávamos à espera. Batista tinha preparada a notícia da eliminação do grupo,
que era segura, e citado à imprensa. Por excesso de confiança, subestimamos realmente
o inimigo, que se apoiava nas debilidades humanas. Nesse momento éramos por
volta de 22 homens bem curtidos e escolhidos. Ramiro, com uma perna lesionada,
recuperava-se longe de nos.
De grande golpe, devido ao
movimento que fizemos num último momento, se livrou esse dia a coluna de mais de 300 soldados
que avançavam em fila indiana pelo escarpado e florestado cenário.
Como
funcionou aquela máquina perante a
Revolução em Cuba?
Bem pouco após triunfado da
Revolução, em abril de 1959, visitei os Estados Unidos convidado pelo Clube de
Imprensa de Washington. Nixon dignou-se de me receber em seu escritório
particular. Depois afirma que eu era um ignorante em matéria de economia.
Eu estava tão ciente dessa
ignorância, que matriculei três carreiras universitárias para obter uma bolsa
que me permitisse estudar Economia
Fui a Harvard de visita no
fim 1948. De regresso a Nova York, adquiri uma edição de El Capital em inglês para
estudar a obra insigne de Marx e também, aprofundar no domínio desse idioma.
Não era um militante clandestino do Partido Comunista como Nixon, com seu olhar
pícaro e esquadrinhador, pensou. Sim
posso assegurar, e o descobri-o na Universidade, que fui primeiro comunista
utópico e depois um socialista radical em virtude de minhas próprias análises e
estudos, e disposto a lutar com estratégia e tática adequadas.
O único que me preocupava da
minha conversa com Nixon era a repugnância ao explicar com franqueza meu
pensamento a um vice-presidente, e possível futuro Presidente dos Estados
Unidos, expertos em concepções econômicas e métodos imperiais de governo nos
quais havia tempo que eu não acreditava.
Qual a essência daquela
reunião que durou horas segundo conta o autor do memorando revelado que faz
referência a ela? Apenas tenho a lembrança do acontecido. Desse memorando selecionei
os parágrafos que segundo a minha opinião explicam melhor as idéias de Nixon.
“Castro estava
particularmente preocupado a respeito de se tinha irritado o senador Smathers
pelos comentários que fez sobre ele. No começo da conversa garanti-lhe que
‘Meet the Press’ era um dos programas mais difíceis no qual um funcionário
público podia participar e que ele o fez extremamente bem — tendo em conta
nomeadamente o fato de que teve a coragem de falar inglês sem utilizar um
tradutor.”
“Também era evidente que no
concernente a sua visita aos Estados Unidos, seu interesse fundamental ‘não era
conseguir uma mudança na quota açucareira nem obter um empréstimo do governo,
mas sim ganhar o apoio da opinião pública estadunidense para sua política’.
“Foi sua quase
subordinação escrava à opinião majoritária prevalecente — isto é, a voz
da plebe — mais do que sua ingênua atitude para com o comunismo e sua óbvia
falta de compreensão dos mais elementares princípios econômicos, o que mais me
preocupou ao avaliar que classe de líder seria no futuro. Essa é a razão pela
qual passei todo o tempo que pude tentando insistir em que se bem ele tinha o
grande dom da liderança, a responsabilidade do líder era não acompanhar sempre
a opinião pública, e sim ajudar a encaminhá-la pela via correta, não dar ao
povo o que acha que quer num momento de tensão emocional, porém lograr que o
povo queira o que deve ter.”
“Quando me correspondeu
falar, tentei insistir no fato de que embora nós acreditámos no governo da
maioria, inclusive a maioria pode ser tirânica e que há certos direitos
individuais que a maioria jamais deveria ter o poder de destruir.
“Francamente acho que não
causei muito efeito nele, mas sim me escutou e parecia receptivo. Tentei lhe
colocar a idéia basicamente em termos de como seu lugar na história estaria
determinado pela valentia e pela habilidade de estadista que demonstrasse
nestes momentos. Insisti em que o mais fácil seria acompanhar a plebe, mas
fazer o correto finalmente seria melhor para o povo e, logicamente, melhor para
ele também. Como já disse, foi incrivelmente ingênuo com relação à ameaça
comunista e parecia não ter medo de que os comunistas finalmente pudessem obter
o poder em Cuba.”
“Em nossas conversas sobre o
comunismo, tentei novamente de expor-lhe os argumentos à luz de seu próprio
interesse e assinalar que a revolução
que ele tinha dirigido, poderia se tornar na sua e o contra o povo cubano a não
ser que mantivesse controlada a situação e estivesse certo de que os comunistas
não alcançariam as posições de poder e influência. A respeito disso, acho que
não adiantei muito.”
“Insisti o máximo possível na
necessidade de que delegasse responsabilidades, contudo, mais uma vez acho que
não consegui que me entendesse.
“Era evidente que enquanto
falava de questões como a liberdade de palavra, de imprensa e de religião, sua
preocupação fundamental era desenvolver programas para o progresso econômico.
Repetiu mais de uma vez que um homem que
trabalhava nos canaviais apenas três meses e passava fome no resto do ano,
queria um trabalho, qualquer coisa para comer, uma casa e algo de roupa.”
“Salientou que era uma grande
tolice que os Estados Unidos entregassem armas a Cuba ou a qualquer outro país
do Caribe. Acrescentou: ‘todo o mundo sabe que nossos países não vão poder
participar na defesa deste hemisfério se estala uma guerra mundial. As armas
que obtém os governos neste hemisfério apenas são utilizadas para reprimir o
povo, mesmo como fez Batista para tentar acabar com a Revolução. Seria ainda
melhor que o dinheiro que vocês entregam aos países da América Latina para
armas fosse destinados a investimentos de capital.’ Devo reconhecer que em seus
argumentos apenas encontrei motivos para discrepar.
“Tivemos uma longa conversa
sobre as vias que Cuba poderia utilizar para obter o capital de investimento
necessário para seu desenvolvimento econômico. Insistiu em que aquilo que essencialmente
o que Cuba necessitava e ele queria, não era capital privado, e sim capital do
governo.”
Eu referia-me ao capital governo
de Cuba.
O próprio Nixon reconhece que
jamais solicitei recursos ao governo dos Estados Unidos. Ele ficou um pouco
atrapalhado e assevera:
“... que o capital do governo
estava limitado devido às muitas exigências e aos problemas orçamentários com
os quais estávamos deparando.”
Fica evidenciado que consegui
explicar-lhe porque logo assinala em seu memorando:
“... que todos os países da
América e do mundo pugnavam por ter capital e que o dinheiro não iria parar a
um país sobre o qual existissem consideráveis dúvidas de que nele se aplicariam
políticas discriminatórias às empresas privadas.”
“Acho que, mais outra vez, neste ponto, não
adiantei nada.
“Tentei com muito cuidado
sugerir a Castro que Muñoz Marin tinha feito um trabalho destacado
“Considero que a verdadeira
razão de sua atitude é simplesmente que não concordava com a firme posição de
Muñoz como advogado defensor da empresa privada e não queria conselhos que pudessem
desviá-lo de seu objetivo de encaminhar Cuba para uma economia socialista.”
“Nos Estados Unidos não se
deveria falar tanto sobre os temores do que poderiam fazer os comunistas em Cuba ou nalgum outro país da América
Latina, da Ásia ou da África.”
“Também tentei colocar em
contexto nossa atitude para com o comunismo ao expressar que o comunismo era
algo mais do que um simples conceito e que seus agentes eram perigosamente
eficazes para tomar o poder e estabelecer ditaduras.”
“É bom salientar que não fez
nenhuma pergunta relacionada com a quota açucareira e nem sequer mencionou
especificamente a ajuda econômica.”
“Minha opinião dele como
homem, é de alguma maneira ambivalente. Do que sim podemos estar certos é de
que possui essas qualidades indefiníveis que o convertem num líder de homens.
Apesar do que pensemos a
respeito dele, vai ser um grande fator no desenvolvimento de Cuba e quase
seguro nos assuntos da América Latina em geral. “Parece sincero, mas ou é
incrivelmente ingênuo a respeito do comunismo ou está sob a tutela comunista.”
“Agora bem, como tem o dom da
liderança, ao qual me referi, o único que poderíamos fazer é, pelo menos,
tentar orientá-lo pelo caminho correto.”
Desta maneira finaliza seu
memorando condifencial enviado à Casa Branca.
Quando Nixon começava a falar, não havia quem o interrompesse.
Tinha o costume de dizer sermões aos presidentes latino-americanos. Não levava
anotações daquilo que pensava dizer, também não tomava nota do que dizia.
Respondia perguntas que não lhe eram feitas. Incluía temas a partir só das
opiniões que tinha a respeito de seu interlocutor. Nenhum aluno do ensino
primário espera receber tantas aulas juntas sobre democracia, anticomunismo e
outras matérias na arte de governar. Era fã do capitalismo desenvolvido e de
seu domínio do mundo por direito natural. Idealizava o sistema. Não concebia
outra coisa, nem existia a mais mínima possibilidade de comunicar-se com ele.
A matança começou com o
governo de Eisenhower e Nixon. Não há forma de explicar por que Kissinger
exclamou textualmente que “correria o sangue se soubéssemos, por exemplo, que
Robert Kennedy, Procurador Geral, dirigiu pessoalmente o assassinato de Fidel
Castro”. O sangue já tinha sido derramada antes. O que fizeram as outras
administrações, salvo exceções, foi continuar a mesma política.
Num memorando datado em 11 de
dezembro de 1959, o chefe da Divisão do hemisfério Ocidental da CIA J-C. King
disse textualmente: “Analisar minuciosamente a possibilidade de eliminar Fidel
Castro [...] Muitas pessoas bem informadas acham que a desaparição de Fidel apressaria
grandemente a caída do governo...”
Como foi reconhecido pela CIA
e pelo Comitê Senatorial Church em 1975, os planos de assassinato surgiram em
1960, quando o propósito de destruir a Revolução cubana ficou registrado no
programa presidencial de março desse ano. O memorando redigido por J. C. King
em 11 de dezembro de 1959 foi enviado ao Diretor Geral da Agência, Allen Dulles, com uma nota
que solicitava expressamente fossem aprovadas essas e outras medidas. Todas
foram aceites e aprovadas com agrado, e de maneira especial a proposta de
assassinato, como aparece refletido na seguinte nota ao documento, assinada por
Allen Dulles e datada um dia depois, 12 de dezembro: “Aprovada a recomendação
que aparece no parágrafo
Num projeto de livro com
análise detalhada dos documentos revelados, feito por Pedro Alvarez-Tabío,
Diretor do Escritório de Assuntos Históricos do Conselho de Estado, informa-se
que “até 1993 os órgãos da Segurança do estado tinham descoberto e neutralizado
um total de 627 conspirações contra ávida do Comandante-em-chefe Fidel Castro.
Esta cifra inclui tanto os planos que chegaram a alguma fase de execução
concreta como aqueles que foram neutralizados numa etapa primária, bem como
outras tentativas que por diferentes vias e razões foram reveladas publicamente
nos próprios Estados Unidos. Não inclui uma quantidade de casos que não puderam
ser verificados por apenas dispor da informação testemunhal de alguns dos
participantes, nem logicamente, os planos posteriores a
Anteriormente pudemos
conhecer, através do relatório do coronel Jack Hawkins, chefe paramilitar da
CIA durante os preparativos da invasão pela Baia dos Porcos, que “o Estado Maior
paramilitar estudou a possibilidade de organizar um grupo de assalto de maior
envergadura que a pequena força de contingência planejada anteriormente.”
“Pensou-se que esta força desembarcaria
em Cuba depois de realizada uma efetiva atividade de resistência, incluindo
forças de guerrilhas ativas. É bom salientar que durante este período as forças
guerrilheiras operavam com sucesso no Escambray. Pensava-se que odesembarque da
força de assalto, após uma atividade de resistência generalizada, estimularia
um levantamento geral e proliferariam as deserções entre as forças armadas de
Castro o que contribuiria consideravelmente para seu derrocamento.”
“O conceito para o emprego da
força num assalto anfíbio/aerotransportado foi tema de análise em reuniões do
Grupo Especial durante os meses de novembro e dezembro de 1960. Se bem que o
grupo não adotou uma decisão definitiva a respeito do emprego dessa força
também não se opôs a que continuara desenvolvendo-se para seu possível uso. O
presidente Eisenhower teve conhecimento dessa idéia no fim de novembro desse
ano através de representantes da CIA. O Presidente manifestou seu desejo de que
continuaram energicamente todas as atividades que já realizavam os
departamentos pertinentes.”
Que informou Hawkins sobre os
resultados do programa de operações encobertas contra Cuba de setembro de 1960
até abril de 1961?
O seguinte:
“a.
Introdução dos Agentes para-militares. Setenta agentes
paramilitares treinados, incluídos dezenove operadores de radio, foram
introduzidos no país objeto. Dezessete operadores de radio conseguiram
estabelecer circuitos de comunicação com os escritórios centrais da CIA, embora
alguns foram capturados mais tarde ou perderam seus equipamentos.”
“b.
Operações de Fornecimento Aéreo. Estas operações
não tiveram sucesso. Das 27 tentativas apenas quatro alcançaram os resultados
desejados. Os pilotos cubanos demonstraram rapidamente que não tinham as
capacidades necessárias para este tipo de operação. O Grupo Especial negou a
autorização de contratar pilotos estadunidenses para estas missões, embora
fosse autorizada a contratação de pilotos para um uso eventual.”
“c. Operações de Fornecimento Marítimo. Estas operações alcançaram
um sucesso considerável. As embarcações que prestavam serviço de Miami até Cuba
entregaram mais de 40 toneladas de armas, explosivos e equipamentos militares,
e infiltraram e desativaram um grande número de soldados. Algumas das armas
entregues foram utilizadas para apetrechar parcialmente 400 guerrilheiros que
operaram durante algum tempo considerável no Escambray, na província de Las
Villas. A maioria das sabotagens que tiveram lugar em Havana e noutros lugares
foram realizadas com materiais fornecidos desta maneira.”
“d.
Desenvolvimento da Atividade Guerrilheira. Os agentes infiltrados conseguiram
desenvolver uma ampla organização clandestina que se estendia de Havana até o
resto das províncias. Contudo, só no Escambray houve uma atividade guerrilheira
verdadeiramente efetiva, onde estima-se de 600 até mil soldados da guerrilha
mal equipados, organizados em bandos de 50 até 200 homens, operaram com sucesso
durante mais de seis meses. Um coordenador para a ação no Escambray treinado
pela CIA entrou a Cuba clandestinamente e pôde chegar até a zona onde se
encontrava a guerrilha, mas foi capturado em muito pouco tempo e executado rapidamente. “Outras pequenas
unidades guerrilheiras operavam por vezes nas províncias de Pinar del Rio e
Oriente, não alcançando resultados significativos. Os agentes reportaram que
existiam grande quantidade de homens desarmados em todas as províncias
dispostos a participarem da atividade guerrilheira se lhe entregavam armas.”
“e. Sabotagem.
(1) De outubro de 1960 até 15
de abril de
“(a) Foram destruídas
aproximadamente 300 mil toneladas de cana-de-açúcar em 800 incêndios.”
“(b) Foram provocados
aproximadamente 150 incêndios mais, entre outros, contra 42 casas de fumo, duas
fábricas de papel, uma refinaria de açúcar, duas leitarias, quatro armazéns e
21 casas de comunistas.”
“(c) Realizaram-se por volta
de 110 atentados a dinamite contra escritórios do Partido Comunista, a usina
elétrica de Havana, dois armazéns, a estação ferroviária, a estação rodoviária,
acampamentos das milícias e caminhos de ferro.”
“(d) Na província de Havana
foram colocadas perto de 200 petardos.”
“(e) Fizeram com que
descarrilassem seis trens, foram destruídos uma estação e os cabos de microonda
e inúmeros transformadores de eletricidade.”
“(f) Um comando realizou um
ataque inesperado desde o mar contra Santiago, que tornou inativa a refinaria durante quase uma semana.”
Até aqui o que conhecemos
graças à informação de Hawkins. Qualquer pessoa pode compreender que duzentas
bombas na principal província de um país subdesenvolvido que vivia da
monocultura da cana-de-açúcar, trabalho semi-escravo e da quota açucareira,
ganha durante quase dois séculos como fornecedor seguro e cujas terras e fábricas
de açúcar de maior capacidade de produção eram propriedade de grandes empresas
norte-americanas, constituía um brutal ato tirânico contra o povo cubano.
Somem-se a isto o resto das ações que realizaram.
Não digo mais nada. Chega por hoje.
Fidel Castro Ruz
7 de julho de 2007
15hrs.