Reflexões
do Comandante-em-Chefe
Chibás,
ao se completarem 100 anos de seu natalício.
Quando li no jornal Granma o artigo do companheiro
Hart ao comemorar essa data, menciona-se um parágrafo do discurso que proferi
no dia 16 de Janeiro de 1959 no Cemitério de Colombo, aos oito dias de minha
chegada a Havana depois da vitória. Trouxe-me muitas lembranças dos heróicos
companheiros mortos. Pensava
O primeiro problema a ser resolvido era Batista no
poder.
Com Chibás vivo não poderia ter dado o golpe de
Estado, porque o fundador do Partido do Povo Cubano (Ortodoxo) o observava de
perto e metodicamente o punha no cepo público. Morto Chibás, era seguro que
Batista perderia as eleições que deviam se realizar em 1º de Junho do ano 1952,
dois meses e meio depois do golpe de Estado. As análises de opinião eram
bastante precisas e a rejeição a Batista crescia constantemente, dia após dia.
Eu estava na reunião onde foi eleito o novo
candidato ortodoxo, mais como atrevido do que como convidado. Ingressaria no
Parlamento, onde lutaria por um programa radical. Ninguém teria podido
impedi-lo. Haviam boatos nessa altura que diziam que eu era comunista, palavra
que despertava muitos reflexos plantados pelas classes dominantes. Falar então
de marxismo-leninismo, e inclusive nos primeiros anos da Revolução, teria sido
insensato e torpe. Naquele discurso perante o túmulo de Chibás falei de molde a
que fossem compreendidas pelas massas as contradições objetivas que nossa
sociedade encarava na altura, e ainda tem que enfrentar.
Comunicava-me todos os dias através duma estação de
rádio local situada na capital e com mensagens enviadas diretamente a dezenas
de milhares de eleitores espontaneamente inscritos no Partido Ortodoxo. Além
disso o fazia com toda a nação através das edições extraordinárias do jornal
Alerta, durante várias segundas-feiras quase consecutivas, com as denúncias
provadas da corrupção do governo de Prío formuladas entre 28 de Janeiro e 4 de
Março de 1952. Pude intuir e aprofundar sobre as intenções golpistas de
Batista. Denunciei isso à direção e lhes pedi utilizar a hora dominical que
tinha Chibás para o fazer. “Pesquisaremos”, foi a resposta deles. Dois dias
mais tarde comunicaram: “Temos pesquisado por nossas vias e não existe nenhum
indício”.
O golpe podia ter sido evitado e não se fez nada.
Já Chibás meses antes, com muito trabalho pôde impedir “um pacto sem
ideologia”, como ele o classificou, entre ortodoxos e o antigo Partido
Revolucionário Cubano (Autêntico). A maioria das direções provinciais apoiou
esse pacto. O sistema económico imperante facilitou que em quase todas as
províncias, a oligarquia e os latifundiários se apropriassem da direção. Apenas
uma foi leal, a da Capital, com grande influência de intelectuais radicais na
direção. Consumado o golpe e quando mais se precisava da união, o papel da
oligarquia foi deixar a massa maioritária do povo à mercê do vento
imperialista. Eu segui com meu projeto revolucionário, em que desta vez a luta,
desde seu próprio início, seria armada.
No dia
Ninguém na universidade prestava atenção às
emissoras de rádio naquela noite. Tinha um governo desorganizado e cheio de
pânico; um exército desmoralizado e sem ânimos para reprimir àquela massa.
Após a assuada de 10 de Março de 1952, escrevi uma
proclama cujo título foi: “Pancada de garra”, impressa em mimeógrafo seis dias
depois do golpe traidor. A seguir seu texto:
Revolução não, Pancada
com Garra! Patriotas não, liberticidas, usurpadores, retrógradas, aventureiros
com sede de ouro e poder.
Não foi uma quartelada
contra o Presidente Prío, abúlica, indolente; foi uma quartelada contra o povo,
nas vésperas de eleições cujo resultado era conhecido de antemão.
Não havia ordem, mas
era ao povo que lhe correspondia decidir democraticamente, civilizadamente e
escolher seus governantes por vontade e não pela força.
Correria o dinheiro em
favor do candidato imposto, ninguém o nega, mas isso não alteraria o resultado
como não o alterou a dilapidação do Tesouro Público em favor do candidato
imposto por Batista em 1944.
É totalmente falso,
absurdo, ridículo, infantil, o fato que Prío intentasse um golpe de Estado,
burdo pretexto, sua impotência e incapacidade para intentar semelhante
empreitada ficou irrefutavelmente demonstrada pela cobardia com que se deixou
arrebatar o comando.
Sofria-se o desgoverno,
mas era sofrido havia anos na espera da oportunidade constitucional de conjurar
o mal, e você Batista que fugiu covardemente quatro anos e fez politicaria
inutilmente outros três, agora se aparece com seu tardio, perturbador e
venenoso remédio, fazendo cacos a Constituição quando apenas faltavam dois
meses para chegar à meta pela via adequada.
Tudo aquilo alegado por você é mentira, cínica
justificação, dissimulo do que é vaidade e não decoro pátrio, ambição e não
ideal, apetite e não grandeza cidadã.
Estava bem deitar por
terra um governo de esbanjadores e assassinos, e isso tentávamos fazer pela via
cívica com o apoio da opinião pública e a ajuda da massa do povo. Que direito
têm, em câmbio, a substitui-lo em nome das baionetas os que ontem roubaram e
mataram sem medida?
Não é a paz, é a
semente do ódio o que assim se semeia. Não é felicidade, é luto e tristeza o
que sente a nação perante o trágico panorama que se enxerga. Nada há tão amargo
no mundo como o espetáculo dum povo que se deita livre e acorda escravo.
Mais uma vez as botas;
mais uma vez Columbia ditando leis, tirando e colocando ministros; mais uma vez
os tanques rugindo ameaçadores sobre nossas ruas; mais uma vez a força bruta
imperando sobre a razão humana. Nos estávamos acostumando a viver dentro da
Constituição; levávamos doze anos sem grandes empecilhos apesar dos erros e
desvarios. Os estados superiores de convivência cívica não são alcançados senão
através de longos esforços. Você, Batista, acaba de deitar por terra numas
horas essa nobre ilusão do povo de Cuba.
Tudo aquilo que Prío
fez de mau durante três anos, você esteve fazendo-o por onze anos. Seu golpe é,
portanto, injustificável, não se baseia em nenhuma razão moral séria, nem em
doutrina social ou política de nenhuma classe. Só encontra razão de ser na
força e justificação na mentira. Sua maioria está no Exército, jamais no povo.
Seus votos são os fuzis, jamais as vontades; com eles pode ganhar uma
quartelada, nunca umas eleições limpas. Seu assalto ao poder carece de
princípios que o legitimem; ria se quiser, mas os princípios são afinal mais
poderosos do que os canhões. De princípios se formam e alimentam os povos, com
princípios se alimentam na luta, pelos princípios morrem.
Não chame de revolução
esse ultraje, esse golpe perturbador e inoportuno, essa punhalada traiçoeira
que acaba de cravar nas costas da República. Trujillo foi o primeiro a
reconhecer seu governo; ele sabe quem são seus amigos na camarilha de tiranos
que açoitam América, isso diz melhor do que nada o caráter reacionário,
militarista e criminoso de sua pancada com garra. Ninguém acredita nem
remotamente no sucesso governamental de sua velha e apodrecida camarilha; é
muito grande a sede de poder, é muito escasso o freio quando não há mais
Constituição nem mais lei do que a vontade do tirano e seus sequazes.
Sei de antemão que sua
garantia à vida será a tortura e o purgativo. Os seus irão matar embora você
não queira, e você consentirá tranquilamente porque a eles se deve por
completo. Os déspotas são amos dos povos que oprimem e escravos da força em que
sustentam a opressão. Ao seu favor choverá agora propaganda mentirosa e
demagógica em todos os porta-vozes, às boas ou às más e sobre seus opositores
choverão desprezíveis calúnias; assim também o fez Prío e de nada lhe valeu no
ânimo do povo. Mas a verdade que alumie os destinos de Cuba e norteie os passos
de nosso povo nesta hora difícil, essa verdade que vocês não permitirão dizer,
a saberá todo o mundo, correrá subterrânea de boca em boca, em cada homem e
mulher, ainda que ninguém o diga em público nem o escreva na imprensa, e todos
acreditarão nela e a semente da rebeldia heróica se irá plantando em todos os
corações; é a bússola que há em cada consciência.
Não sei qual será o
prazer vesânico dos opressores, no chicote que deixem cair como Caimes sobre as
costas humanas, mas sei que há uma felicidade infinita em combatê-los, em
erguer forte a mão e dizer: Não quero ser escravo!
Cubanos: Mais uma vez
há tirano, mas haverá mais uma vez Mella, Trejos e Guiteras. Há opressão na
pátria, mas haverá algum dia mais uma vez liberdade.
Convido os cubanos de
valor, os bravos militantes do Partido de Chibás; a hora é de sacrifício e de
luta, se perdermos a vida nada se perde, “viver em cadeias, é viver em
opróbrios e afrontas submergidos. Morrer pela pátria é viver”.
Fidel Castro.
Ao não ser publicado este irreverente artigo –quem
se atreveria? – foi distribuído no Cemitério de Colombo por amigos e
simpatizantes ortodoxos em 16 de Março de 1952.
A 16 de Agosto de 1952 foi publicado no jornal
clandestino O Acusador, um artigo titulado “Reconto crítico do P.P.C.
(Ortodoxo)”, assinado com um pseudónimo do autor: Alejandro. Já que fiz uma
avaliação crítica daquele partido, pareceu-me conveniente incluir essa análise:
Por em cima do tumulto
dos cobardes, os medíocres e os pobres de espírito, é preciso fazer uma
apreciação breve, mas valente e construtiva do movimento ortodoxo, depois da
queda do seu grande líder, Eduardo Chibás.
A formidável aldravada
do paladino da Ortodoxia, deixou ao Partido um caudal tão imenso de emoção
popular que o colocou às portas do Poder. Tudo estava feito, apenas era
necessário saber reter o terreno ganho.
A primeira pergunta que
deve fazer-se todo ortodoxo honrado é esta: Temos engrandecido o legado moral e
revolucionário que nos legou Chibás..., ou, antes pelo contrário, temos
dilapidado parte do caudal...?
Quem julgue que até
agora tudo foi bem feito, que nada temos a nos repreender, esse será um homem
muito pouco severo com a sua consciência.
Aquelas pugnas estéreis
que sobreviveram à morte de Chibás, aquelas gritarias colossais, por motivos
que não eram precisamente ideológicos, mas de sabor puramente egoístas e
pessoais, ainda ressoam como marteladas amargas na nossa consciência.
Aquele funestíssimo
procedimento de ir à tribuna pública para elucidar bizantinas querelas, era
sintoma grave de indisciplina e irresponsabilidade.
Inesperadamente tiveram
lugar os acontecimentos de 10 de Março. Era de se esperar que tão gravíssimo
facto arrancasse de raiz, no Partido, as pequenas desavenças e os personalismos
estéreis. Por acaso foi totalmente assim...?
Com espanto e
indignação das massas do Partido, as torpes querelas voltaram a reluzir. A
insensatez dos culpados não reparava em que a porta da imprensa era estreita
para atacar o regime; porém, em câmbio, muito larga para atacar os próprios
Ortodoxos. Os serviços prestados a Batista com semelhante conduta não foram
poucos.
Ninguém se irá escandalizar
de que tão necessário reconto seja feito hoje, em que lhe coube o turno à
grande massa que em silêncio amargo tem sofrido esses extravios e nenhum
momento mais oportuno do que o dia de prestar contas a Chibás junto de seu
túmulo.
Essa massa imensa do
P.P.C. está de pé, mais decidida do que nunca. Pergunta nestes momentos de
sacrifício...:Onde estão os que aspiravam... os que queriam ser os primeiros
nos lugares de honra das assembléias e dos executivos, os que percorriam
localidades e faziam tendências; os que nas grandes concentrações reclamavam um
lugar na tribuna e agora não recorrem localidades, nem mobilizam a rua, nem
demandam os lugares de honra da primeira linha de combate...?
Quem tiver um conceito
tradicional da política poderá se sentir pessimista perante este quadro de
verdades. Para os que tiverem, em câmbio, uma fé cega nas massas, para os que
acreditarem na força irredutível das grandes idéias, não será motivo de
afrouxamento e desalento a indecisão dos líderes, porque esses vazios são
ocupados bem logo pelos homens inteiros que saem das fileiras.
O momento é
revolucionário e não político. A política é a consagração do oportunismo dos
que têm meios e recursos. A Revolução abre passo ao mérito verdadeiro, aos que
têm valor e ideal sincero, aos que expõem o peito descoberto e tomam na mão a
bandeira. A um Partido Revolucionário deve corresponder uma liderança
revolucionária, jovem e de origem popular que salve Cuba.
Alejandro.
Mais adiante criamos uma estação de rádio
clandestina que fizesse o que depois fez Rádio Rebelde na Serra. Em pouco tempo
relativamente, mimeógrafo, emissora e o pouco que tínhamos, caiu nas mãos do
exército golpista. Então aprendi as regras rigorosas às quais deveria
ajustar-se a conspiração que nos levou ao ataque do Moncada.
Proximamente será publicado um pequeno volume com
duas ideias fundamentais que foram condensadas em dois discursos: o de Rio de
Janeiro na Reunião de Cúpula das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento há mais de 15 anos e o que pronunciei na Conferência
Internacional Diálogo de Civilizações, há dois anos e meio. Recomendo aos
leitores analisarem bem ambos os documentos. Peço me desculpem por este anúncio
comercial, mas gratuito.
Fidel Castro Ruz.
25 de Agosto de 2007
18h:32