Tribuna aberta da juventude e dos estudantes, em mesa redonda informativa, com análises profundas e críticas sobre os principais governos responsáveis e os seus cúmplices no que diz respeito à Resolução anti-cubana apresentada na CDH em Genebra, celebrada a 23 de Abril de 2000

(Versões Taquigráficas - Conselho de Estado)

 

Carmen R. Báez.- Muito boa tarde, estimados telespectadores.

Esta é a tribuna aberta da juventude e dos estudantes, desde o estúdio 11 do Instituto Cubano de Rádio e Televisão, em mesa redonda, tal como foi anunciado nos últimos dois dias.

Nesta tarde de domingo, nos irão acompanhar nesta mesa redonda os painelistas Reinaldo Taladrid, jornalista da Televisão Cubana; Nidia Díaz, jornalista do jornal Granma; também do jornal Granma Arsenio Rodríguez; Lázaro Barredo, jornalista de Trabalhadores; Eduardo Dimas, jornalista da Televisão Cubana; Marina Menéndez, jornalista do jornal Juventud Rebelde; ao seu lado o director de Juventud Rebelde, Rogelio Polanco, e também Pedro de la Hoz, jornalista de Granma.

Ontem foi um sábado de muita glória; todo o nosso povo amanhecia com um sorriso que fazia sair as lágrimas, pode-se dizer.

Com toda discreção também, e com muita dignidade, e cheios de orgulho, nas salas das nossas casas, na ponto de ónibus, na rua, começavam a aparecer as palavras: "Parabens", ou a expressão "Que alívio", ou "Como você soube disso?" "Já sabes?" Essas frases estiveram-nos a acompanhar durante o dia todo, e à tarde, já os comentários começavam a girar em volta de uma fotografia que dava a imagem de uma família reunida, que resumia também a vitória; começavam a aparecer igualmente os comentários sobre a forma que cada um soube, ao amanhecer, da notícia de que Elián já estava com Juan Miguel, e à tarde, na tribuna aberta que se realizou na fábrica de açúcar "Austrália", parte da nossa juventude e também o nosso Comandante-em-Chefe refletiam com todo o nosso povo.

Mesmo agora concluia a retransmissão dessa actividade, e permitam-me lembrar uma frase muito importante que dizia o Comandante, de que hoje -fazendo referência ao dia de ontem- era um dia de trégua, talvez o único em 41 anos de Revolução, um dia de trégua com os Estados Unidos.

É por isso que cá estamos, voltamos ao combate, porque o que foi o seqüestro de um menino, sabemos que se pode transformar no seqüestro de uma família inteira se não são adoptadas as decisões correspondentes o antes possível.

Já começam a fustigá-la, veremos quando se produz a solução final, tendo em conta que já a máfia, inclusive a parentela nos Estados Unidos, começam a fustigar, e continua a campanha visando que Elián não se reúna com a outra parte da sua família: os seus avós e a família grande, que é o seu povo aqui em Cuba.

Também estamos em combate, e continuamos em combate porque as causas que têm provocado uma situação como esta, e situações similares, não foram erradicadas, e porque -como muito bem disse o nosso Comandante-em-Chefe- uma das coisas que mais encorajou à máfia e à parentela em Miami foi a Resolução que na Comissão de Direitos Humanos, em Genebra, foi aprovada contra Cuba, porque os hipócritas e os lacaios -como também disse o nosso Comandante-em-Chefe-, ao votar contra Cuba, puseram em perigo a vida do menino, e isso é realmente uma coisa que o nosso povo não vai esquecer.

Também achamos que um dos motivos fundamentais pelo qual cá estamos hoje é porque ainda não temos esgotado todos os argumentos que nos demonstram quem são os que votaram contra o nosso país. É por isso que queria começar esta mesa redonda lembrando a votação da Resolução que apresentou a República Tcheca contra Cuba na Comissão de Direitos Humanos em Genebra.

Se vocês se lembram, o grupo da Europa Ocidental votava em um bloco: a favor, a Alemanha, o Canadá, a França, a Itália, Luxemburgo, a Noruega, Portugal, a Espanha, o Reino Unido e os Estados Unidos. Pela parte da Europa Oriental, votavam: a favor, a República Tcheca, é claro, que a apresentou junto com a Polónia, Letónia e Romênia. Contra, a Rússia.

Quis lembrar esta votação porque a primeira parte desta mesa redonda foi dedicada a mostrar-nos por dentro quem eram esses países e a posição européia.

Acho que seria muito bom entrar já no debate desta tarde, analisando qual é a posição concreta destes países contra Cuba. Será que apenas se relaciona a sua posição com o que, segundo eles, é o estado dos direitos humanos em Cuba, ou temos outras coisas ainda das que poderíamos falar?

Por isso gostaria de começar pedindo a Lázaro Barredo --que se dedica há algum tempo na Assembléia Nacional também a se aprofundar nas posições dos países da Europa com relação a Cuba, --que nos ajudasse a ir entrando já na matéria, referindo-se a este tema.

Lázaro Barredo.- Na verdade, causa bastante repugnância o fariseísmo da Europa para com Cuba. A sua política para com o nosso país carece de ética, carece de princípios. Tem demonstrado ser submissa e agir sem independência ao ser arrastada pelos Estados Unidos da América.

Eu diria que essa subordinação é tão grosseira, que não exagero se afirmo que a política da Europa para com o nosso país, nos seus princípios fundamentais, não se origina hoje na maioria das capitais européias, mas no Departamento de Estado em Washington, e isso vou demonstrar um pouco mais tarde.

Quando o Congresso norte-americano aprovou a Emenda Mack, em começos da década de 90, e em 1992 aprovou a Emenda Torricelli -ambos os senadores bem conhecidos pelo nosso povo, ambos corruptos e vendidos à máfia de Miami-, o quê disseram os europeus? Disseram, muito concretamente: Não aceitaremos a extraterritorialidade.

A vida demonstrou que os governos europeus foram cúmplices da criminosa guerra econômica imposta ao nosso país desde os primeiros dias de Janeiro de 1959, não só porque jamais colocaram no banco dos réus em Genebra -mesmo ali, onde agora levam a Cuba- aos Estados Unidos por essa criminosa política de genocídio, mas também porque admitiram que as subsidiárias norte-americanas sediadas nos seus territórios fossem obrigadas, sob ameaças e represálias de Washington, a parar o comércio conosco, precisamente no mesmo instante do desmoronamento da União Soviética e do socialismo na Europa; em poucos meses, virtualmente, o nosso país viu desaparecer os seus mercados tradicionais, e os governantes norte-americanos acreditaram, oportunisticamente, que tinha chegado o momento de dar-nos o golpe mortal e render-nos por fome e doenças.

A Europa foi cúmplice dessa política, e fez com que, do dia para a noite, Cuba perdesse também um comércio de aproximadamente 800 milhões de dólares que mantinha com essas empresas subsidiárias para o comércio de alimentos e medicamentos. Do dia para a noite, junto do descalabro, ou desmoronamento da União Soviética, veio este golpe terrível para a vida do nosso país, e insisto: A Europa foi cúmplice.

Então veio a Helms-Burton, e o quê disseram os europeus? Antes, durante e depois dessa engenhoca legislativa asseguraram que não admitiriam a extraterritorialidade e que protegeriam os interesses dos empresários e dos cidadãos europeus.

Não houve um dirigente político -e aí estão as declarações nas próprias mídias ocidentais- governamental ou parlamentar que não afirmasse a oposição a essa lei miserável. E parecia ser verdade, porque foram aprovadas leis antídotos em resposta à Lei Helms-Burton; Cuba aprovou a sua Lei de Investimentos, aprovou a sua política de abertura aos investimentos estrangeiros, e a Europa, logo, começou a assinar acordos de promoção e proteção desses investimentos com Cuba. Aí estão os acordos assinados com a Itália, a Espanha, o Reino Unido, a Alemanha, a Bélgica, Luxemburgo, a França e a Grécia.

Também parecia ser verdade que não admitiriam a extraterritorialidade, porque quando Clinton assina a lei, em 12 de Março de 1996, a Europa imediatamente leva o assunto em litígio perante a Corte da Organização Mundial do Comércio.

Tudo isso fez parecer que, com efeito, a Europa ia opor-se desta vez a uma agressão criminosa contra o nosso país, como era a Lei Helms-Burton. Contudo, tenho de dizer -e também está reconhecido, está discutido, inclusive no Parlamento Europeu- que no mais infalível exercício anti-democrático, começam a se desenvolver conversações secretas entre o representante para a política de comércio externo da União Européia, o britânico com título cavaleiresco, sir Leon Brittan, e o enviado especial de Clinton, Stuart Einzenstat, que além disso era o homem que tinha negociado o problema das nacionalizações na Europa Oriental, e estava bastante ligado nessa altura com a Europa nesta negociação, e são essas duas personagens as que, de maneira secreta, começam a negociar sem nenhuma consulta aparentemente com os governos e parlamentos da União Européia, começam a chegar a um acordo, e é assim que, um mês depois de ter entrado em vigor a Lei Helms-Burton, é aprovado o primeiro Entendimento entre a União Européia e os Estados Unidos.

O quê é que trazia consigo esse acordo? Bom, Europa suspendia a sua queixa perante a Corte da OMC -isto é, renunciava ao litígio- e começava a negociar junto dos Estados Unidos de maneira secreta, no quadro da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OECD), o Acordo Multilateral de Investimentos (AMI), onde eram estabelecidas determinadas disciplinas sobre as propriedades nacionalizadas, avalizando Europa nesse momento, no fundo, com uma atitude deste tipo, o princípio de punição da Lei Helms-Burton para os investidores.

Pela sua parte, os norte-americanos se comprometeram a continuar com a suspensão dos julgamentos do Título III, e Clinton, que já tinha perdido todas as suas prerrogativas, em matéria de política externa com Cuba -pela primeira vez em 200 anos um presidente renunciava à decisão constitucional de política externa e submetia a decisão ao Congresso Norte-americano-, comprometia-se então, para favorecer este Entendimento, a procurar uma solução com o Título IV da Lei Helms-Burton, que são as punições aos investidores, aos que "traficarem com propriedades no nosso país; a eles, a sua família e aos seus parentes.

O que acontece é que como a Europa cedeu vergonhosamente a este Entendimento, os norte-americanos continuaram a mexer os dedos para ver se a carne da Europa era mole ou dura, como tinha dito Martí, e encontraram carne mole, e então continuaram tentando dobrar à União Européia.

Então dessa maneira é enviado Eizenstat para a Europa para negociar com os governos europeus o que coloca a Europa numa cruzada anti-cubana, sob o pretexto de aprofundar a democracia em Cuba, ficando a Europa junto de Washington.

Do meu ponto de vista, isto é tão imoral que poderia afirmar que, desde esse altura, ao subversivo Carril II da política de agressão dos Estados Unidos da América, foi anexado o Carril II da Europa, visto que a partir desse momento Europa assumiu a mesma política para tentar de destruir a Revolução.

Rogelio Polanco.- Lázaro, seria bom lembrar quais foram os países membros da União Européia que votaram contra; dos 15 membros, 7 fazem parte da Comissão de Direitos Humanos, que foram a Alemanha, a Grã Bretanha, a Espanha, a França, a Itália, Luxemburgo e Portugal. Por isso concordo com você em que, além da imoralidade cometida com o Entendimento, cometeram agora uma outra imoralidade usando também o tema dos direitos humanos contra Cuba na Comissão de Direitos Humanos.

Carmen R. Báez.- Acho que isto evidencia os verdadeiros motivos que teve a Europa quando se pronunciou contra a Lei Helms-Burton. Não foi tanta a consciência de até que ponto esta violava a soberania do nosso povo o que motivou o protesto senão os interesses europeus que vulnerava.

Polanco, já que está falando sobre ponto, acho que o poderia fazer desta maneira, enriquecendo a exposição de Lázaro. Acho que seria muito bom falar também da posição comum européia. Às vezes se fala nisso, e acho que para a população cubana seria melhor que esclarecêssemos mais ao que é que nós fazemos referência quando falamos em posição comum.

Rogelio Polanco.- A chamada posição comum que você refere foi outro dos múltiplos exercícios falidos que a União Européia tentou nos últimos anos, para condicionar as relações económicas com Cuba a inaceitáveis requerimentos de carácter político e de marcado interesse ingerencista.

Foi no fim de 1996, com um bloqueio econômico fortalecido e com uma Lei Helms-Burton, é bom lembrar isto, que os países membros da União Européia chegaram a um consenso, que foi chamado precisamente posição comum, que não era outra coisa senã a receita unificada para lidar com Cuba naquele momento; isto é, empregar a possível assinatura de um acordo no contexto de cooperação com o nosso país para nos impor exigências no relativo aos direitos humanos. Vejam só como é a falta de vergonha, pois aqueles que nos acusam em Genebra são os mesmos que nos dizem: Se não cumprirem com o que eu estabeleço sobre os direitos humanos e a democracia, não haverá cooperação económica possível.

A posição comum da União Européia para com Cuba era inaceitável, logicamente, no seu conjunto, pela sua filosofia de ingerência. Desde o princípio Cuba manifestou a rejeição e o não reconhecimento desta posição comum, visto que se baseava no desconhecimento da legitimidade do nosso sistema de governo. Essa posição comum era seletiva, era discriminatória com respeito ao nosso país, tentava nos impor condições e aplicar padrões que nunca seriam aceitos por nós. Tratava-se de um obstáculo que não ajudava, logicamente, a uma relação normal dos nossos vínculos com a Europa e com a União Européia em especial.

O objetivo que tinha, de "estimular um processo para uma democracia pluralista e o respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais", coincidia com os firmes propósitos dos Estados Unidos naquele momento, e , nesse sentido, então, a posição comum fazia mais difícil a possibilidade de que o governo norte-americano rectificasse a sua posição de agressão contra Cuba, visto que com isto os Estados Unidos recebiam, um apoio coletivo conjunto dos países membros da União Européia, sem que fosse formulada nenhuma exigência contra a suspensão do bloqueio e a guerra econômica contra o nosso país, que finalmente condiciona e trava, ainda hoje, em grande medida, o desenvolvimento das relações de Cuba com terceiros países.

Este acordo marco de cooperação de que estamos falando entre a União Européia e Cuba tinha-se começado a ser negociado em meados dos anos noventa, por solicitação da União Européia, e Cuba era e é ainda hoje o único país latino-americano que não possui um acordo deste tipo. Eis o carácter discriminatório também desta situação.

Devemos lembrar que nestes anos recebemos a visita de Manel Marin, comissário europeu, que advogava pela aprovação, de maneira expedita, de um acordo com as referidas e humilhantes condições que rejeitamos com firmeza.

Ao compreender, naquela ocasião, que não havia arranjo que significasse o abandono de nossa soberania, comecou-se finalmente a dilatar, de maneira indefinida, a assinatura deste acórdo; e, certamente, esta mesma personagem carente de toda ética ao pressionar Cuba, foi parte dos membros da Comissão Européia, acusados pelo própio Parlamento Europeu, posteriormente, por corrupção. Vejam que moral para exigir algo a Cuba.

Finalmente, poderiamos resumir com algumas perguntas:

Qual a moral destes países, os sete que votaram contra Cuba, que são membros da União Européia, isto é, a Alemanha, a Grã Bratanha, a Espanha, a França, a Itália, Luxemburgo e Portugal, para condenarem Cuba em matéria de direitos humanos, se eles estão violando o direito soberano do nosso país de decidir sobre a organização da nossa sociedade? Qual a comissão dos direitos humanos que os vai condenar? Até quando a arrogância da Europa ao pretender dar lições para outros povos? Porque esse tratamento discriminatório com Cuba? Porque a Europa não pode falar conosco no mesmo nível?. Que direito têm para regatear a cooperação econômica? Até quando vão continuar a agir como metrópole? Quando irão compreender que Cuba não se vende e que não aceitamos chantagens? Porque eles não são acusados de manipular os direitos humanos e utilizá-los como forma de ingerência política? Porque condenar um país como Cuba, do Terceiro Mundo, pobre e bloqueado, que tem feito mais pela cooperação desinteressada e autenticamente solidária com o resto do planeta que qualquer outro país? Até quando a Europa vai continuar submetida aos Estados Unidos, inclusive, contra seus próprios interesses políticos e econômicos, o que afinal é uma posição comum não só entre eles, mas com os Estados Unidos da América, que trata de nos destruir?

Carmen R. Báez.- Polanco, muito obrigado.

Lembro que na primeira parte da mesa redonda estávamos falando reiteradamente do espelho que tratam de dar aos índios e tentam que nele se vejam iguais do que os seus conquistadores, e passam os anos, os séculos e continua a rigidez de pensamento colonialista europeu.

Lázaro, Você ainda não tinha acabado o tema do entendimento.

Lázaro Barredo.- Estou contente que você tenha dito isso e pela afirmação que fez Rogelio, porque considero que a arrogância da Europa é com Cuba e com os países do Terceiro Mundo, mas não com os Estados Unidos. Acho que é bom que isso fique claro. O mais paradoxal é isso, que nos olhem como índios com casacas. e por sua vez os Estados Unidos ohem eles e os tratam como índios de casaca. Isso é o imoral dessa atitude política da União Européia.

A prova disso é que com todo o primeiro entendimento e a posição comum aceite pela Europa, em troca de nada, os Estados Unidos se comprometeram a resolver legislativamente vários problemas, e a extrema direita norte-americana o que fez foi dar tapas na Europa, visto que continuou aprovando novas medidas e novas leis extraterritoriais para os esbofetear aberta e publicamente perante a opinião pública internacional e os humilhar. Aí está D'Amato-Kannedy, que depois vou falar dese cambalacho, como Europa, a arrogante Europa se comporta então indignamente numa situação deste tipo.

Apesar de tudo isso, depois os europeus que se comprometem, que não lhes cumprem, aceitam negociar um segundo Entendimento com os Estados Unidos, e mais uma vez Brittan e Eizenstat reunem-se em secreto para a negociação de outro entendimento, que entrou em vigor em Maio de 1998.

Acho que é interessante colocar rapidamente como é vergonhosa a atitude européia quando aceitam que neste segundo Entendimento possa qüestionar a legitimidade das nacionalizações que fez Cuba com a Lei de Reforma Agrária e a Lei de Nacionalização em 1960. E falo de vergonhosa porque se alguém conhece muito bem qual foi a filosofia política que teve Cuba com as nacionalizações, esses são os europeus, porque muitos dos seus cidadãos foram nacionalizados, muitos bens passaram às mãos de Cuba a partir dessa nacionalizações; no entanto eles foram os primeiros compensados.

Cuba compensou todos os cidadãos de terceiros países. Não tem podido compensar os dos Estados Unidos, porque utilizou o pretexto do bloqueio a partir da compensação e tem desenvolvido toda a guerra econômica, a tem fortalecido e tem aprovado todas estas leis extraterritoriais sob esse pretexto. Mas os espanhóis, os franceses, os ingleses, todas as outras propriedades obtiveram a devida compensação nas negociações que foram realizadas entre os nossos países.

Inclusive faz um apelo às instituições internacionais, cientes --estamos falando de 1998-- de que o problema financeiro é fundamental para o desenvolvimento de Cuba nos momentos atuais e o que faz é juntar-se no entendimento com os Estados Unidos para fazer um apelo às instituições internacionais financeiras para se aliarem ao objectivo de desestimular os investimentos em Cuba.

Pergunto-me se isso não é criminoso, se alguém pode falar de direitos humanos nas circunstâncias tão difíceis como as que teve que encarar este povo, que tenha recorrido à política de investimentos estrangeiros, que tenha recorrido a todas as reformas econômicas e do dia para a noite Europa tente desestimular, na mesma posição de agressão dos Estados Unidos.

Por isso, pergunto-me e não sei como entender que enquanto, de uma parte, muitos países e governos europeus recorrem à retórica contra o bloqueio ianque, para agradar a opinião pública dos seus países que rejeita essa criminosa agressão, e de outra, esses mesmos governos europeus estejam negociando medidas deste tipo tão concretas que o contradizem completamente.

E falava em cambalacho, porque na verdade é cambalacho que a Europa se tenha rendido à internacionalização da extraterritorialidade de uma lei norte-americana, como a Lei Helms-Burton, para evitar transitoriamente as punições aos investidores europeus de petróleo na Líbia e no Irão por outra lei extraterritorial norte-americana que foi a D'Amato-Kennedy, o que foi denunciado pelo companheiro Fidel no dia seguinte, visto que o companheiro Fidel estava na sessão de abertura da OMC -Organização Mundial do Comércio- em Genebra, e no dia seguinte de ter-se aprovado este entendimento, o que lhe disse lá mesmo aos chefes de Estado europeus?

"O mundo tem muitos motivos para sertir-se humilhado e preocupado --estou a ler o que disse o Comandante--, e a Organização Mundial do Comércio tem que deter o genocídio. Qualquer diferença entre os Estados Unidos e a União Européia no relativo à Lei Helms-Burton não deve ser resolvida às custas de Cuba, seria uma desonra impensável para a Europa. Os acordos anunciados ontem em Londres são confusos, contraditórios, ameaçadores para muitos países e nada éticos."

Além disso, acho que o pior de tudo não é só a maneira em que a direita norte-americana os tem humilhado, mas tembém a máfia cubano-americana.

A "loba feroz", em vários momentos perante a imprensa, disse para os europeus coisas como estas - e as disse em tom ameaçador e afinal eles tiveram que se render-: "Para que o Congresso apoie Clinton teríamos que ouvir da União Européia que vão proibir e punir os investidores, como diz a Lei Helms-Burton."

E, para acabar esta exposição, diria o que tem reconhecido um dirigente do Parlamento Europeu, um homem, que além de fazer parte da facção política mais conservadora, isto é, a facção de direita no Parlamento Europeu. Este homem contou que, por ocasião do entendimento, foram para Washington para discutir com Helms, Burton e com outros congressistas nomeadamente Lincoln Díaz-Balart, Ileana Ros e Bob Menéndez, e ele saiu tão impactado pela maneira tão bárbara como tinham sido essas personagens nessa discusão, que reconheceu depois que ele, que é um homem de direita, pela primeira vez na sua vida, sentia-se à esquerda das suas idéias. Essa reunião foi muito dura e essas pessoas assumiram posições muito cavernícolas.

E para concluir, gostaria de apresentar o testemunho de que a Europa tem uma posição farisaica para com o nosso país. Isto que tenho nas minhas mãos são as diretrizes de trabalho -são conhecidas como Non paper-, que mãos amigas nos fizeram chegar (Mostra o documento). Estas são as diretrizes de trabalho que o Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, depois do primeiro entendimento de 11 de Abril de 1997 com a União Européia, enviaram para o trabalho das embaixadas Européias no nosso país. E vou lê-lo, se me permitem.

"Os Estados Unidos propõem aos seus sócios europeus considerar as seguintes opções: que os Estados Unidos da América e a União Européia trabalhem de comum acordo, segundo o entendimento para estimular os países latino-americanos a trabalharem para promover a democracia em Cuba, quer condicionada a melhora das relações por mudanças fundamentais, de maneira semelhante à posição comum, quer através de outras ações. Os Estados Unidos e a União Européia podem dirigir-se conjuntamente a países latino-americanos, ou à União Européia e os seus estados membros podem realizar aproximações bilaterais segundo seja mais efetivo o curso de ação.

"Os Estados membros da União Européia podem aumentar os seus contatos com os ativistas de direitos humanos em Cuba" -da mesma maneira em que o fizeram os tchecos-, "e oferecer-lhes um apoio adequado. Poderia ser considerada a nomeação de funcionários de direitos humanos em Havana. A União Européia pode fazer pressão no governo cubano para a legalização das organizações independentes e de direitos humanos em Cuba. A União Européia pode instar o governo cubano a reformular o Código Penal e eliminar as disposições utilizadas para amedrontar os ativistas de direitos humanos.

"Os Estados Unidos e a União Européia podem trabalhar com discrição e por separado para a promoção dos negócios em Cuba, mas não em propriedades confiscadas, ou considerar a sua participação em insistir em melhores práticas de negócio, nomeadamente na contratação e pagamento dos trabalhadores.

"As embaixadas da União Européia em Havana poderiam começar a convidar os dissidentes às reuniões do grupo de trabalho para os direitos humanos, e estabelecê-las de maneira rregular para incentivar os dissidentes para a relização de relatórios, monitoração e formulação de objetivos.

"Para a complementação deste programa de reuniões regulares com os dissidentes em Havana, membros dos governos do países da União Européia poderiam convidar de maneira periódica os dissidentes cubanos para viajarem a Bruxelas e a outras capitais Européias para a promoção do intercâmbio direto de idéias.

"A União Européia precisará salientar ao governo cubano a espectativa de que serão concedidos vistos de saída aos referidos convidados.

"Além disso, esperaríamos que os visitantes de alto nível da União Européia que visitem Cuba, incluindo os Embaixadores da Uniaõ Européia, não residentes em Cuba, transformem numa prioridade reunir-se de maneira pública e aberta com os dissidentes e fazer apelos a Castro para que comece o processo de reforma."

Esta é a infâmia da Europa e o comportamento mafioso, numa atitude desprezível, contra o nosso país.

Carmen R. Báez.- Começamos esta mesa pedindo para ver muito bem por dentro como era a posição real de muitos países da Europa, e neste caso da União Européia, com respeito ao nosso país: mas isto não só acontece com Cuba, e as ações relativas à questão económica têm a ver com muitos países do Terceiro Mundo.

Acho que aqui começamos a falar em índios. Era na escola que falávamos em indíos, e lembro que sempre era associado ao tema da colônia, e de colônia passava para a neo-colônia; mas se falarmos em colónia e neo-colónia sem falarmos de metrópole, falta-nos uma parte importante das causas, e também há que falar de conseqüências.

Agora vamos sair de Cuba, e vamos fazer como os nossos diplomatas na Comissão de Direitos Humanos que não só falam por Cuba, mas que falam por todo o Terceiro Mundo, por isso acho que seria muito bom que jornalistas como Dimas, Marina e Nidia, que têm abordado temas como estes nos seus jornais, inclusive Marina em "Haciendo Rádio" tem participado também em comentários deste tipo, pudessem-nos ajudar a falar mais sobre esperança de vida, do direito que também temos ao desenvolvimento, de como a União Européia ou os países que votaram contra Cuba deste grupo euro-ocidental participam ou se envolvem no desenvolvimento do resto dos países.

Por isso não sei qual dos três se decide a começar.

Marina Menéndez.- Concordo com as suas palavras e, revendo mais uma vez a votação, esta tentativa de acusar Cuba de violar os direitos humanos, é repetir novamente a pergunta que já nos fizemos vários aqui, analisar quem os julga, ou que moral têm para acusar injustamente Cuba, os causantes não das mortes de que falava Taladrid há dias com balas de borracha, com cassetetes, não mortes por causa da repressão policial, mas de mortes que somam centenas de milhares no Terceiro Mundo e das quais eles são os responsáveis.

Vamos falar concretamente dos países mais ricos do planeta, do chamado Grupo dos 7: Os Estados Unidos, o Canadá, a França. a Grã Bretanha, a Alemanha, Itália e o Japão. Eles são os responsáveis. Quem têm imposto, quem mantêm esta injusta ordem internacional, econômica e financeira que provoca estas mortes, e além disso uma ordem que aprofunda cada vez mais as diferenças entre os ricos e pobres e afunda cada vez mais os pobres numa existência de mera sobrevivência, sem contar os prejuízos ao planeta, dos que poderiamos falar depois. Dimas, você não acha?

Eduardo Dimas.- Há um problema que sempre me chamou a atenção. É uma tendência mundial, e essa tendência é separar direitos humanos de problemas econômicos, isto é, fica bem aos interesses do mundo capitalista desenvolvido, ao Grupo dos 7, aos centros de poder econômico mundial.

A verdade é que o sistema econômico mundial foi constituído na base dos interesses e esses interesses são egoístas, esses interesses não são equitativos, são injustos. São os interesses dos centros de poder econômico mundial, chefiado pelo Grupo dos 7.

Agora, não têm em conta na sua propaganda, em todas as análises que fazem, em todas as suas posições, nem os direitos econômicos, nem os direitos sociais, nem os direitos culturais dos povos, e dizem que têm em conta -porque na prática são violados constantemente- os direitos civis e políticos.

Lázaro contou-me um anedota que, com a sua licença, vou utilizar para partir daí, para ver como é injusta esta ordem económica na qual vivemos.

Um norte-americano consome em um ano dez vezes mais do que um mexicano, 36 vezes mais do que um habitante de Bangladesh. Porém, se todos as pessoas do mundo, se todos os que vivemos neste planeta tivéssemos o mesmo nível de consumo que um norte-americano ou dos principais países do Grupo dos 7, seria necessário três planetas Terra para satisfazer as necessidades de todos os seres humanos, mas só temos um planeta que, na verdade, estamos destruindo.

Para que os ricos possam viver na opulência, os pobres têm que viver, como vivem muitos deles, na mais absoluta pobreza. Carmen Rosa, se me permite vou dar alguns dados.

Da população mais rica do planeta 20%, isto é, esses 20% que vive no mundo desenvolvido, consome 45% de toda a carne e o peixe que se consome no mundo, ao passo que o 20% mais pobres só consome 4%. 20% da população mais rica do mundo consome 58% do total da energia, ao passo que o 20% mais pobres só consome menos de 5%.

Para conseguir a saúde materna e reprodutiva de todas as mulheres do Terceiro Mundo, seriam necessários 12 bilhões de dólares por ano. Nos Estados Unidos e na Europa, os famosos defensores dos direitos humanos, gastam 17 bilhões de dólares por ano em alimentos para animais domésticos: cães, gatos parece que nesses lugares têm mais valor do que os seres humanos.

Para conseguir o ensino básico para todos no Terceiro Mundo -e estes são os planos que se ouve falar todos os anos e que, na verdade, só acontece em reuniões, congressos: vamos alfabetizar todos os seres humanos, e afinal não tem lugar a alfabetização, tudo continua igual, o número de analfabetos no mundo aumenta.

Carmen R. Báez.- Desculpe, Dimas, desculpe a interrupção, mas os colegas do ICRT estão nos apoiando com imagens.

Eduardo Dimas.- Essas são imagens recentes da fome no Corno africano.

Carmen R. Báez.- É isso o que eu queria dizer, não pensar que estamos falando de imagens de há alguns anos; estamos falando daquilo que está acontecendo hoje na África, neste minuto que estamos vivendo os cubanos. Poderíamos afirmar que são problemas que estão vivendo hoje, neste mesmo minuto que estamos vivendo e desenvolvendo esta mesa redonda. Não estamos passando imagens de arquivo de anos atrás. Estamos no ano 2000.

Eduardo Dimas.- Neste momento, para que tenha uma idéia, na zona do Corno africano: a Etiopia, a Eritrea, o Djibouti, quer dizer, todos os países que fazem parte do Corno africano, há 12 milhões de pessoas em perigo de morrer de fome, mas há um pormenor: a ajuda que está chegando, não é suficiente para a manutenção deles, e logicamente essa ajuda quem deveria oferecê-la são os países mais ricos.

Carmem R. Báez.- Desculpe, Dimas, pela interrupção; acho que os dados que estava fornecendo eram muito interessantes, visto que nos ajuda a todos.

Eduardo Dimas.- Para conseguir o ensino básico para todos no Terceiro Mundo, seriam necessários 6 bilhões de dólares adicionais por ano. Nos Estados Unidos gastam-se 8 bilhões de dólares anuais em cosméticos.

Para anular a dívida externa destes países -e estes são os países que têm dívida externa-, de todo o Terceiro Mundo, bastaria somente 40 dias do Produto Interno Bruto dos países que fazem parte do Grupo dos 7.

Logicamente para que os ricos possam viver na opulência, têm que existir imagens como esta que vocês estão vendo na ecrã. Isso dá a medida do egoísta, do injusto que é; mas, além disso, do porquê não querem ligar direitos humanos com a economia. Essa é uma das provas.

Marina Menéndez.- Dimas falava da ajuda para o desenvolvimento, e só gostaria de apontar que, realmente, nem sequer a hipócrita ajuda para o desenvolvimento, que com muito trabalho conseguiu que se comprometeram os países mais ricos do planteta, e que consistiria em que dessem uma contribuição de 0,7% do seu Produto Interno Bruto para ajudar o desenvolvimento dos países mais pobres, e nem sequer isso foi cumprido.

Em 1998 foi apenas 0,23%, e nos melhores momentos, que segundo a cifra que tenho aqui foram desde 1979 até 1988, chegou a 0,34%; independentemente de que não resolveria nada porque, antes de mais, acho que aquilo que lhe é proibido aos países pobres por esta ordem que tem sido imposta pelos países ricos, é, justamente, o direito ao desenvolvimento, impossível.

Na verdade, estas imagens que estávamos vendo são mesmo de hoje, mas também são de muitos anos. Esta não é uma história nova, esta é uma história que tem os seus alicerceos no passado colonial; não podemos esquecer que as bases do capitalismo repousam justamente no funcionamento do sistema colonial. E a todos esses mortos pela fome, pelas doenças preveníveis, que é o que mais dói, haverá que somar também os mortos que deixaram as lutas pela libertação das colônias das antigas metrópoles. Lembremo-nos dos episódios da França nas suas colônias e também os de Portugal nas suas colónias africanas de Moçambique e Angola.

Acho que, de qualquer maneira, o que tem mudado são os métodos. Agora estamos falando de um sistema neoliberal que, além disso, é imposto por estes mesmos países, justamente sob uma dependência econômica, que é a que permite também submetê-los e fazer com que estes países pobres sejam mais dependentes do ponto de vista político.

Dimas, estou falando, não sei se concorda comigo, de questões tais como a condicionalidade que é imposta para qualquer empréstimo que, afinal, vai continuar a endividar ainda mais os pobres e, poderíamos afirmar que a dívida é de 2,5 milhões de milhões de dólares; mas o estabelecimento por estas vias de outros termos bem novos, que também estão violando o direito internacional, dirigindo-o, mudando-o, violentando-o, tais como governabilidade --que está na moda-- e transparência, que não são mais do que pretextos para continuar a impor a estes governos e a estes povos modelos políticos que, afinal, é possível que não sejam os que lhes convêm, nem são os que eles escolheram.

Portanto, poderíamos nos perguntar mais uma vez, qual a moral e o direito, e quem é que nos está julgando.

Eduardo Dimas.- Há uma questão que eu gostaria de apontar:

A famosa liberalização do comércio colocou que todas as nações têm igualdade de oportunidades. Friamente, qual igualdade de oportunidades podem ter, por exemplo duas nações: a Uganda e a Alemanha? Qual a igualdade de condições e de oportunidades podem ter Moçambique e a França? Só para colocar dois exemplos, visto que se poderiam colocar dezenas. Evidentemente, não pode existir nenhuma possibilidade de oportunidades.

Na África morrem 91 crianças por cada 1 000 nascidos vivos; na África morrem 172 meninos e 154 meninas por cada 1 000, antes de atingir os cinco anos.

Na África a esperança de vida ao nascer só chega aos 49 anos para os homens e aos 51 para as mulheres, ao passo que na Europa este indicativo atinge 69 e 77 anos respectivamente. Aliás, os homens europeus têm menos esperança de vida do que os homens cubanos, porque a nossa esperança de vida é de 74 anos, portanto temos uma vantagem de cinco anos.

Lázaro Barredo.- Acho que é de 75.

Eduardo Dimas.- Bom, então vou viver mais um ano.

Na África morrem de parto 940 mães por cada cem mil, enquanto na Europa só morrem 59 por esse conceito.

A mortalidade no continente africano por doenças infecciosas e parasitárias, incluindo a tuberculose, foi de 5 milhões de pessoas, ao passo que na Europa nesse mesmo período foi vinte vezes menor.

No Terceiro Mundo morrem 48 milhões de pessoas todos os anos por doenças que podem ser evitadas.

A diferença de receitas entre a quinta parte da população mundial mais rica e a quinta parte mais pobre é de 74 a 1, segundo dados de 1997.

No mundo 98% das crianças que morrem menores de cinco anos vivem em países subdesenvolvidos.

No Terceiro Mundo há 900 milhões de famintos, 1 500 milhões de pessoas que se encontram por baixo dos níveis de pobreza massiva.

Do que é que estamos falando aqui? Não estamos falando de um genocídio econômico? Em qual comissão de direitos humanos vai ser discutido e vai ser condenado esse genocídio?

Carmen R. Báez.- Hoje temos o propósito de fazer uma lista de perguntas, acho que vão aumentar as que ficaram sem responder na mesa passada quando estávamos falando do tema da NATO, que eram perguntas que estavam sem responder desde muito tempo.

Eduardo Dimas.- Há pouco estava falando de que iriamos precisar de três planetas. Este está sendo destruído em prol do consumo desse primeiro mundo; mas, para além disso, é verdade que está se destruindo, é verdade que o meio ambiente está sofrendo sistematicamente, a partir de tudo aquilo que eles têm feito, de toda a depredação e a degradação do planeta.

Nidia Díaz.- Antes de entrar nesse tema, que acho muito interessante, e que Dimas tem abordado, gostaria de lembrar uma coisa que ninguém poderia atrever-se a desmentir a Marx, quando disse que o capital chegou ao mundo deitando sangue e lama por todos os poros. Acredito que ninguém que tenha um mínimo de consciência poderia desmentir essa sábia apreciação que Marx fez no seu momento.

Sobre o que Dimas estava dizendo, acho que também a estas perguntas que eles abordaram do ponto de vista econômico, da ordem mundial e outras, haveria que acrescentar a questão do genocídio que está sendo cometido contra o nosso planeta. Na verdade, são os principais países industrializados, estes que nos acusaram na Comissão de Direitos Humanos, os principais emissores de dióxido de carbono que envenena a atmosfera, que polui o planeta e que, inclusive, tem chegado a mudar o ritmo da própria natureza. Contudo, devemos apontar, é justo fazê-lo, que no mundo estão sendo realizados alguns esforços para tentar parar esta deterioração ambiental, para tentar parar os chamados gases com efeitos de estufa, dos quais os países industrializados são os principais emissores.

Na verdade, são os países ricos, industrializados, os países do Primeiro Mundo, os que, com uma política hipócrita, com uma política egoísta e insensível, estão tornando estes esforços mundiais num bom negócio, e gostaria de colocar como exemplo os acordos de Kyoto.

Muito dos nossos telespectadores lembrarão a cimeira de meio ambiente que teve lugar nesta cidade japonesa e onde, para tentar de deter a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, lhe foi fixada uma quota a cada um dos países para não ultrapassar determinadas toneladas métricas de emissão de gás para atmosfera; contudo, o que acontece? Os mesmos que fizeram a lei, fizeram batota. Isto é, a Alemanha, a frança, a Itália têm uma quota, mas o Terceiro Mundo também tem uma quota, uma quota que não gasta, porque ele emite esse gás de maneira muito limitada, caso emitir qualquer tipo de gás de efeito estufa.

O que é que fazem os países ricos? Por exemplo a Alemanha, que é desenvolvida, tem uma política consumista que está envenenar o ambiente, da mesma maneira que os Estados Unidos, a Itália, a França, portanto consome a sua quota e cumpre com os acordos estabelecidos em Kyoto, mas compra as quotas dos países do Terceiro Mundo. Pensemos em qualquer dos países do Terceiro Mundo, não vou falar em nomes, que não têm capacidade industrial para as consumir, compram-nas e então a emissão de gás aumenta, porque àqueles que não iriam à atmosfera visto que não estão a ser consumidos, estão a ser utilizados pelos que têm depredado o ambiente, os que têm provocado toda esta situação de genocídio com o meio ambiente.

Isso que nós assistimos na televisão não é porque a África seja mais quente do que o resto do mundo, mas que com todos esses efeitos de gases de efeito estufa tem mudado o meio ambiente. Da mesma maneira que há algumas semanas vimos na Venezuela chuvas como nunca antes na sua história, isso mesmo está a acontecer no corno africano e está a acontecer noutros países.

Acho que esta práctica de comprar quotas dos países do Terceiro Mundo, estabelecidas para tentar controlar a emissão de gases de efeito estufa, é uma práctica ilegal que tentam dar aparências de legalidade; não obstante, os países ricos, os países industrializados, apresenta-na como uma forma de ajudar também, dalguma maneira, o Terceiro Mundo; e são esses, Carmem Rosa, os que lenvantaram o seu dedo acusador contra Cuba, são esses os que escondem hipocritamente esta política de envenenamento do ambiente, os que estão a subverter a ordem ambiental, os que privam à humanidade de viver num planeta sadio, um planeta que cada vez tem mais calamidades naturais de incalculáveis consequências, calamidades essas que se somam precisamente à precária situação social que têm os povos que vivem em péssimas condições no Terceiro Mundo.

Isto é genocídio, mas além disso, é uma flagrante violação dos direitos humanos. Haveria que acrescentar nesta lista que está a ser feita cá, a responsabilidade dos países industrializados na destruição do nosso planeta que, como disse Dimas, só temos este e temos uma vida só.

Reinaldo Taladrid.- Gostaria misturar algumas palavras que foram mencionada aqui, uma coisa que me veio à cabeça. Por exemplo, falou-se de desenvolvimento, de ajuda para o desenvolvimento, de pobreza, e eu lembrava de uma coisa que li há pouco, que é o seguinte: Como estávamos a falar em organismos internacionais, as Nações Unidas tem um organismo chamado Programa de Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD. Foi criado, fundamentalmente, para combater a pobreza, que era o que obtaculizava o desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo.

Então. o que tem acontecido com isso?, acho que foi Marina quem fez referência a forma em que tem diminuido a ajuda para o desenvolvimento. Primeiro pediram para os países desenvolvidos que dessem 0,7% -mas nunca ultrapassou 0,3%, mais ou menos é assim; agora está em 0,2%.

Isto reflete-se nestos organismos, embora seja uma outra coisa. Há cinco anos este Programa de Nações Unidas para o Desenvolvimento, que supostamente deve fomentar projectos para o desenvolvimento das economias dos países do Terceiro Mundo, tinha 1 200 milhões de dólares para operar, mas hoje tem 680.

Este PNUD sempre, desde a sua fundação, tem sido dirigido por um norte-americano, e agora, pela primeira vez, parece que como prêmio de consolação ou por qualquer motivo, colocaram um inglês à cabeça. Agora bom, vejam as marcas, de onde veio este inglês? Este homem vem do Banco Mundial. Talvez por isso tinha o aval suficiente para dirigir o PNUD.

Para que tenham uma ideia de onde vamos parar com isto, o que é que faz este homem? Ele disse: "Necessitamos mais dinheiro para chegarmos ao que tínhamos antes. Como é que eu posso comprazer os ricos para que me dêem mais dinheiro?" O que é que fez, ou o que é que lhe dizeram que fizesse? Isso nunca se sabe. "Bom, vamos fazer projectos que os ricos gostem." O que é que os ricos gostam, ou grupo dos 7, ou os suspeitosos habituais de toda coisa ruim que acontece no planeta, ou como você queira chamar? O que é que gostam?. Gostam de dois tipos de projectos, e são nestes momentos a maior quantidade que está a propor no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, vejam só que sublinho a palavra "desenvolvimento."

Está a propor dois tipos de projectos: 1) Projectos de governabilidade; 2) Projectos de assessoramento político.

Volto para o nome, a palavra é "desenvolvimento", e estamos a falar de "assessoramento político e governabilidade".

O que é que diz o inglês?, que talvez tenha a aspiração de se tornar "Lord", como sir Leon Brittan ou qualquer coisa dessas. Diz que "a causa da pobreza e de todos estes problemas é que nos países do Terceiro Mundo há tanta corrupção que os recursos destinados para o desenvolvimento são roubados."

Nesta questão há dois aspectos que gostaria comentar, do que está a fazer essas pessoas. Primeiro: a causa da pobreza não é a corrupção; as causas da pobreza foram colocadas aqui: a desordem económica internacional, o intercâmbio desigual, a exploração a que fomos submetidos todos nós durante séculos, a dívida externa. Essas são as causas reais da pobreza e não a corrupção.

A segunda questão que eu gostaria levantar é que aqui acrescenta-se mais uma pincelada, mais um pequeno toque as duas tentativas: Un, tornar as Nações Unidas uma espécie de senado do império romano actual que legitime as coisas que faz o império, e uma maneira muito subtil é esta: Você tem um país do Terceiro Mundo, tem problemas financeiros, precisa destes projectos, começa um projecto e então lhe é enviado um assessor político.

Este homem está lá dentro, é o chefe, e todos sabemos os interesses que representa, o que vai sugerir, o que vai propor.

Eu queria fazer toda essa reflexão a respeito de toda esta questão do desenvolvimento, da pobreza, das Nações Unidas, e dos suspeitosos habituais, que são os que estão por trás disto.

Mas há uma coisa que gostaria apontar, que tem a ver com isto: este problema da corrupção, da pobreza, e dos ricos.

Isso não vou discutir aqui, não é tema desta mesa. Todos sabemos que no Terceiro Mundo há corrupção, é verdade que houve casos conhecidos por todo o mundo de corrupção: mas também aqui há um problema de racismo. Vou explicar a causa, na minha opinião. Há um problema de racismo, porque temos que ver quem inventou primeiro a corrupção e que a trouxe ao Terceiro Mundo.

Quando os espanhóis chegaram na América, nesses navios vinham muitos marginais, houve pessoas que sairam dos cárceres para os navios, e não sei o dado exacto, não sei se alguem o terá, mas nos navios comandados por Colombo mais da metade, tenho a certeza de que era mais da metade, eram marginais que tinham saido dos cárceres. Esse qualificativo não é de graça, eram mesmo marginais que tinha saido dos cárceres.

Os maias, os aztecas, os incas e os que chegaram cá em Cuba desde o Orinoco, tinham uma outra forma de organização, que não tinha derivado ainda em cárceres, em marginais, nem em corrupções nem nesse tipo de coisas, estava num outro nível, teriamos de ver quem trouxe aqui a corrupção. Teriamos de ver quantos ingleses, holandeses, etc., levaram esse tipo de costume para a África, visto que estavam bem espalhados nesses países.

Vamos falar da actualidade e do que acontece geralmente. Tenho por volta de cinco exemplos, mas vamos colocar um. Não vou falar no país receptor, porque não tem a ver com o tema.

Projectos de ajuda para o desenvolvimento -estamos a falar nisso, não é?-: diminuição da ajuda, politização, tentativa de acabar com a soberania nacional, limitar a soberania, colocar assessores políticos.

Mas não é só isso: por exemplo há um país x -não vou falar em nome, mas é real o que vou contar-que recebe um projecto de cooperação do Canadá.

O Canadá, apesar de que não teve colónias, tem acompanhado o agir do vizinho de embaixo e anda por esse caminho. Bom, o Canadá fornece a este país 500 000 dólares, para um projecto de modernização dos bancos e coisas desse tipo. De maneira inteligente o país lhe diz que o precisa é informática, um sistema de computação, de tecnologia de informática, etc.

O que aconteceu? Os canadenses do projecto, quando viajam do Canadá para esse país, viajam em primeira classe, quando chegam nesse país alojam-se em suites, nem sequer em quartos, em suites de um hotel cinco estrelas, as diária são muito altas, e muitas vezes... Bom, há muitas coisas que são feitas com as diárias nesses sistemas de Nações Unidas. Então, vêm uma vez, voltam para o seu país, vêm com o relatório, e começam o projecto. Quando começam o projecto já tinha escapado 200 000 por conceito de despesas operacionais -poderiamos dizer assim- de viagem, hospedagem, diárias, etc., restava quase a metade.

Então, como se trata de corrupção -de professores, porque toda essas pessoas ministram aulas de ética e de direitos humanos- um dos membros do projecto faz a sugestão aos funcionários do país receptor que ele tem um amigo que tem uma empresa que vende computadores, que são de muito boa qualidade, e aí está a ganhar uma comissão, está a introduzir nisto uma empresa de um amigo, para que na hora de comprar computadores, comprem os computadores do seu amigo, e ele receberá uma comissão.

Por isso digo que em todas estas conceições, com independência de limitar a soberania e toda essas questões, também há racismo e há corrupção.

Carmen R. Báez.- Vamos tentar resumir o tema.

Marina Menéndez.- Não me atrevo a discutir com Taladrid no que se refere a tese do racismo; mas sim obviamente, sublinhar que hoje é exigida transparência aos países, porém eles, os organismos internacionais, não oferecem nenhuma transparência, não oferencem nenhuma garantia de um proceder justo e limpo. E eu acho que aí é onde está, precisamente, a batota para os pobres.

Não falamos do FMI, nem do Banco na primeira ocasião; mas lamentavelmente, se assim está já o PNUD, que supostamente é um organismo que deveria servir para o desenvolviemento, o quê poderiamos dizer do Fundo Monetário e o Banco Mundial, que são os organismos através dos quais exercem as pressões os países ricos e dominam os pobres?

Você falava de um suspeito, quase sempre suspeito...

Reinaldo Taladrid.- Deixa-me esclarecer uma questão. O exemplo que coloque é um projecto bilateral, era bilateral. Não era do PNUD.

Carmen R. Báez.- Vale a pena.

Marina Menéndez.- No FMI por exemplo, 50% dos votos dos países ricos está nas mãos dos membros do Grupo do 7 e os Estados Unidos; além disso tem o poder de vetar qualquer decisão. Acho que isso corrobora a sua tese, efectivamente, de que como se diz, é a lei do funil, não é?

Carmen R. Báez.- Sim, parece-me que neste tema que temos ido abordando deve ir ficando bem claro, também para os nossos telespectadores, como se vão combinando, para não ficarmos perdidos na linha da nossa mesa.

Estamos tentando fazer uma análise dos países da Europa Ocidental que votaram contra Cuba, e também da Europa do Leste; mas acho que resulta importante que lhes digamos que muitas vezes fazemos referências a esses grupos, ou falamos de organismos, como o Grupo dos 7, o Fundo Monetário Internacional. Tudo isto que é feito porque estes países participam nesses organismos e são os que têm o peso fundamental neles e vão dominando. É por isso que de vez em vez combinamos a situação de um país, a relação de um país com outro e o que acontece quando já estão a exercer o seu poder em determinado foro ou em determinadas organizações internacionais.

Eu pediria que este tema também o fossemos fechando, porque o tempo vai passando, e há coisas que também gostarimos deixar o mais claras possíveis. Parece-me que ainda nos restam alguns aspectos interessantes.

Nidia Díaz.- Para resumir, acho que aqui tem-se colocado bem em claro que os principais violadores dos direitos humanos são precisamente os que têm imposto uma nova ordem económica mundial, que para além disso é uma nova ordem insustentável e injusta e que aliás controlam os principais organismos financeiros internacionais.

Precisamente nesta nova ordem económica mundial tem-se ido impondo um mundo onde a falta de solidariedade, onde o individualismo, onde o egoísmo tem-se ido assentando de uma maneira vertiginosa.

Eu gostaria perguntar-lhes, precisamente a esses países ricos, a esses países do Grupo dos 7, a todos os governos do Primeiro Mundo que votaram contra Cuba, nessa hipócrita Comissão de Direitos Humanos, o quê eles fizeram por essas cada vez maiores camadas de população mundial sobretudo do Terceiro Mundo que padecem doenças preveníveis ou curáveis, que morrem de doenças desses tipos, ou pelos 25 milhões de africanos que estão infectados com o vírus da SIDA? Qual deles tem prestado assistência técnica especializada a esses países do Terciro Mundo em domínios como a educação a saúde, o desenvolvimento tecnológico, precisamente aquelas esferas onde o colonialismo, o neo-colonialismo e a globalização neoliberal dos últimos anos deixou um dramático saldo, uma dramática seqüela de analfabetismo, de insalubridade e atraso tecnológico? Ora bom, se eles não nos respondessem, eu poderia dizer, obviamente, e qualquer um dos que cá estamos, qualquer um dos nossos telespectadores: a Cuba acusada, a Cuba que é difamada pela suposta violação dos direitos humanos do seu povo, é a que, desde 1963 até a data tem contribuido, com colaboração especializada e técnica, com 138 805 cubanos em 130 países.

Então gostaria perguntar-lhes a esses que até agora nos julgam, a esses que nos acusam, a esses que levantam o indicador para sentar-nos no banco dos réus, o quê fizeram nesse sentido, o quê fizeram eles, por exemplo, nessas ajudas emergentes perante furações, cheias, erupções vulcânicas, como não seja estar presentes só uns dias após a calamidade. Chegam nos lugares com grande publicidade. Contudo, nesses mesmos lugares não tem deixado de estar presente Cuba, e fica lá o tempo todo que for necessário e nalguns casos -e nosso povo sabe disso- temos estado durante anos a apoiar esses países.

Também me pergunto o quê conseguiram as antigas colónias ou os países dependentes das suas metrópoles nestes anos? Bom, nada ou quase nada. Não daremos cifras para não seguir a esticar o tema, mas se compararmos as cifras desse países com as que apresenta Cuba, estão dramáticamente bem por trás dos avanços que atingimos em matéria social, em matéria de educação, em matéria de saúde.

Então eu me pergunto: que direitos têm eles para nos acusar? O quê sabem eles do que era Cuba e do que é Cuba? E os cubanos, que fizemos do extraordinário uma questão quotidiana, não é de mais que de vez em vez, nós também, com a humildade que caracteriza o nosso trabalho e o nosso quefazer solidário no mundo, demos algumas cifras e, sobretudo, digamos o que é que tem feito a Revolução cubana e o que é que nos tem permitido brindar essa ajuda solidária neste mundo individualista e egosísta que se abriu passo.

Gostaria citar pelo menos três ou quatro cifras a respeito do que era Cuba antes da Revolução e do que é depois da Revolução.

Em Cuba, em 1958, a esperança de vida ao nascer era de 61 anos. Como Dimas acaba de apontar há pouco no ano 2000 já temos uma esperança de vida de 75 anos. A cobertura da previdência social na Cuba de 1958 era de 53, na Cuba de 2000, nesta Cuba acusada de violar os direitos humanos, é uma cobertura de 100.

A taxa de analfabetismo antes da Revolução era 23,6; já em 1981 reparem a quantos luz estamos dessa data, era de 1,9%, a média de escolaridade da nossa população, conforme os níveis de ensino, era segunda classe em 1958. No ano 2000, no ano em que Cuba tem sido acusada de violar os direitos humanos, é mais da nona classe.

Os médicos percapita naquela Cuba eram de 1 por cada 1 076, hoje é de 1 médico por cada 172 habitantes.

Depois destas cifras e depois de saber todos os que cá estamos, os que nos ouvem e os que nos ouvem e não dizem que nos ouvem, porquê Cuba tem sido acusada? Acho que a Europa, que nestes anos se habituou à obediência, deveria, antes de emitir um voto contra o povo cubano, contra a Revolução cubana, saber estas realidades, quais são as realidades de um povo que é verdadeiramente independente.

Carmen R. Báez.- Eu lhe proponho aos presentes e também aos telespectadores, que passemos para um outro tema interessante, que estivemos tratando antes de nos sentar aqui, coisa que poderiamos abordar, porque não é uma questão da que falamos todos os dias.

Há pouco Taladrid, e a ele próprio gostaria conceder-lhe a palavra, disse-me que fez um jogo com as palavras e combinou algumas frases que cá foram ditas para poder fazer uma reflexão. Combinando palavras -aqui se falou de meio ambiente, há alguns anos se falava em guerra fria, falava-se em corrida aos armamentos, falava-se dos prejuízos que poderia provocar ao planeta se continuávamos nessa corrida, e ao desaparecer a União Soviética, ao desaparecer o bloque socialista, pretende-se pensar que o mundo mudou de uma maneira em que muitas coisas que antes eram criticadas desapareceram; verdade é que o mundo também mudou, mas não da maneira que querem que nós pensemos que mudou.

Gostaria que Taladrid me ajudasse a nos adentrar nun tema tão interessante como o desenvolvimento das armas nucleares. Sei que nisso a Europa tem posições bem interessantes que seria bom compartilhar.

Reinaldo Taladrid.- Pois é, a corrida aos armamentos não cessou e muitas das vezes se disse que com uma pequena quantidade do que se gasta em armas quantas coisas poderiam ser feitas.

Mas se falarmos em temas nucleares, acho que há um tema específico que bem vale a pena ser colocado agora e que julgo ser uma história muito ilegal, cheia de ilegalidades, uma história que manteve-se bem em secreto, sobre a qual ninguém tem alçado a voz e que, além disso, na minha opinião, é uma das coisas mais irresponsáveis que fizeram os Estados Unidos e os europeus ocidentais nos últimos 50 anos.

Estou a falar de como foram criadas as possíves condições para que surgisse uma forte potência nuclear, nada mais e nada menos numa das zona mais tensas e de conflitos do planeta, uma zona em que coincidem e convergem conflitos muitos graves de todo tipo, históricos, políticos, territoriais, religiosas, e faço referência nada mais e nada menos que ao Oriente Médio.

De que estou a falar? Estou a falar especificamente de como os Estados Unidos e algum dos seus aliados occidentais tornaram Israel numa forte potência nuclear. E se alguem tiver dúvida a respeito do conceito "forte", eu lhe diria que o Israel é hoje a sexta potência nuclear do planeta.

Ora bom, como se chegou a isto? No fim dos anos 50 os Estados Unidos -eu quero esclarecer uma coisa: isto que estou a descrever aqui não foi público, manteve-se em secreto e ninguém falou nisso; isto que explicamos hoje é produto de escarvar, de investigar todas essas coisas- fornece-lhe ao Israel o seu primeiro reactor nuclear. Não contente com isso e por determinadas razões, na década de 60, o Israel assina um acordo secreto com a França, do qual aparece um projecto que também se manteve em secreto, que tinha o nome de Dimona.

Aqui começou a entrar a tecnologia. Você pode entrar a tecnologia a um país de uma forma ou outra e também pode empregá-la, nalguns casos; ou pode ser usadas outras tecnologias acrescentando-lhes coisas: Falo nisto porque talvez me esteja a ouvir qualquer especialista.

Para além disso os Estados Unidos lhe deu ao Israel fundamentalmente, historicamente, umas cifras milionárias anualmente em ajuda material, quer dizer, dão-lhe dinheiro para a criação de tecnologia ou para comprar-lhes às suas próprias empresas equipamentos militares.

Para que tenham uma ideia, hoje, nos Estados Unidos lhe dá 5 000 milhões de dólares todos os anos ao Israel em ajuda militar. Se se faz a soma de tudo isto, para além das próprias características que sempre teve, desde cedo, este Estado de Israel, muito expansivo territorialmente com os seus vizinhos, desenvolvendo um forte componente militar e agressivo em extremo. Bom, este país, Israel, falando em direitos humanos e da Comissão de Direitos Humanos, é um país onde a tortura era legal até há alguns meses; isto é, era legal a tortura segundo a legislação israelense. Isso foi até há alguns meses. Logicamente torturavam os palestinos, como é óbvio.

Neste país precisamente, produto de todas estas coisas que se mantiveram em secreto, a onde chegou isto. Chegou a que Israel possui hoje, neste momento, não menos de 300 armas nucleares. Colegas, estamos a falar da sexta potência nuclear do planeta, não estamos a falar de uma coisa incipiente. Mas agora não só possui as 300 armas nucleares, possui mísseis, vectores, aviões de combate e bombardeiros como para poder usar todas essas armas; isto é, tem os meios portadores para as usar também.

Até onde chegaria o alcance ou o perigo desta forte de potência nuclear que foi criada? Abrange o Oriente Médio todo, toda essa zona -e digo mais uma vez- altamente conflituosa, cheia de conflitos históricos de vários tipos, a toda essa zona chega os mísseis israelenses, chamados Jerico-II, chegam os bombardeiros, todos esses aviões abrangem toda essa zona. Mas não só aí, toda a parte norte da África também está incluída na zona de alcance destas armas, e sul da Europa, por se fosse pouco. No sul da Europa também há zonas conflitivas, lembremos só a Iugoslávia, a Turquia, isto é várias zonas.

O que acontece com isto? Tudo isto aconteceu durante decênios. Nesses mesmos decênios existiam as Nações Unidas, a Comissão dos Direitos Humanos, a imprensa, funcionários e organizações. Mas ninguém denunciou isto em nenhum dos países donde saía essa tecnologia, ninguém o denunciou, ninguém o condenou, e era um acto de muita responsabilidade histórica, simplesmente, criar uma potência nuclear forte, repito, não estamos a falar de uma coisa incipiente, em meio desta zona. Quem o fizeram? Vocês o viram; os Estados Unidos, o nosso principal acusador; a França, e -lembrem que é um projecto que se manteve em secreto-, não tenho dúvida nenhuma de que algum dia surgirão novas evidências sobre quem mais lhe forneceu esta tecnologia a Israel.

Isso não acaba aqui. O facto de que se tenha criado isto no Israel foi o elo, ou permitiu uma coisa, na minha opinião, mais nojenta etnicamente, e é que Israel foi o trampolim, a base pela qual se converteu à África do Sul do apartheid, por sorte, em uma incipiente potência nuclear. Y digo por sorte, porque destrozaram o apartheid, graças, em boa medida, ao esforço das nossas tropas, dos nossos combatentes internacionalistas; porém, por sorte, só foi incipiente. Israel foi o trampolim para isto.

Há uma questão aqui, que chama a atenção e que antes de entrar no tema da África do Sul eu quero frisar. Reparem, estamos a falar de irresponsabilidade na criação de potências nucleares, mais fortes ou incipientes; mas reparem quem são os dois países aos que converteram em potências nucleares: Israel, um dos países mais condenados por violações dos direitos humanos, um país agressivo, militarista, expansivo; e a África do Sul, a do Apartheid, obviamente, um dos regimes mais repugnantes e pepudiados da história. Esses são os dois que converteram em potências nucleares.

Agora, África do Sul. O quê aconteceu na África do Sul? Repito, tudo isso também foi feito em secreto, portanto, às vezes custa trabalho esclarecer as coisas, é necessário escarvar, procurar.

Nos momentos mais críticos, mais repugnante do apartheid, -vamos usar mais uma vez a palavra, porque é verdade que o apartheid resulta totalmente repugnante-, o grupo de países africanos nas Nações Unidas propõe que se investigue e que seja criada uma comissão para desmascarar ou que seja revelada a capacidade militar nuclear da África do Sul. Isto foi levado a votação na Assembleia Geral, e foi aprovado, é claro que foi aprovado, com os consabidos votos em contra dos suspeitos habituais, os Estados Unidos e a Inglaterra, e a abstenção do resto dos ocidentais, mas foi aprovada. E esta comissão conseguiu publicar esta investigação e, cá está, é este documento que tenho cá em baixo. Este documento aqui, é o resultado da investigação (mostra-o).

Esta investigação revelou várias coisas e vou ser exacto, cá tenho os apontamentos que tirei deste relatório aqui. Eis o que diz:

Quem e como forneceu esta tecnologia a África do Sul?

1. A Bélgica e o Canadá, uma companhia cujo nome é Space Risecht Corporation of Belgica and Canada. Esta companhia lhes construiu e lhes vendeu aos sul-africanos os projécteis de 155 mm, auxiliados por mísseis capazes de serem portadores de armas nucleares tácticas. O Canadá, um dos nossos "procuradores", aí está.

2. A Alemanha: empresas alemãs construiram duas instalações de enriquecimento de urânio, daquele que é usado para o armamento nuclear. Aí têm a Alemanha, outro dos nossos "procuradores".

3. Não podia faltar o principal: os Estados Unidos da América. Eles lhe forneceram a África do Sul o seu primeiro reactor nuclear.

Eis como foi feito tudo isto. Até onde isto chegou? Bom, que a África do Sul nos anos oitenta fez uma prova lançando um missil a 1 450 km para o Atlântico Meridional, quer dizer, para o Sul desse país.

Já vemos como aqui, neste caso, está a ser criada uma incipiente potência nuclear. Conseguem-se desentranhar coisa, embora não todas.

Mas, o que acontece? Todos nós sabemos que Cuba emprestou a sua ajuda internacionalista em Angola, todos conhecemos a história que aconteceu, e gostaria ser muito exacto nisto que vou falar. No momento, que todos aqui lembram, do avanço para o sul das tropas cubanas e angolanas, aquele momento heroico da Batalha de Cuito Cuanavale, aquele momento que foi decisivo, foi o mais importante a para que findasse o aparatheid e mudou o curso da história no Cone Sul da África. Nesse momento - vejam só o que vou dizer, Africa do Sul tinha sete bombas nucleares, sete bombas atómicas tinha Africa do Sul nesse momento; mas o mais terrível, nesse momento em que as tropas iam avançando para lá, que todos lembram, os Estados Unidos sabia que a África do Sul tinha as sete bombas nucleares, e o que é que fez os Estados Unidos? Primeiro, não disse nada, e o sabia perfeitamente; segundo, teve a esperança e emprego com toda intenção a palavra esperança- e apostou o tempo todo a que África do Sul empregasse as bombas nucleares contra as tropas cubanas.

Ora bom, qualquer se poderia perguntar, como foi aquilo, o conheciamos, o que acontecia? Anteriormente -e não é a primeira vez que se fala nisso- o Comandate-em-Chefe tem explicado que perante fortes indícios de tudo isso que explicamos das bombas que tinha África do Sul, o seu potencial nuclear, as tropas cubano-angolanas adoptaram tácticas especiais que consistiram na criação de grupos tácticos armados poderosamente de não mais de 1 000 homens. Estes grupos tácticos -repito, armados poderosamente de não mais de 1 000 homens- foram apoiados por uma importante força de aviões de combate Mig-23 e 1 000 armas anti-aéreas de diverso tipo: isto é, também se teve em conta tudo isto.

Ora bom, talvez alguem poderia dizer: Bom, isto é um bocado exagerado. Os norte-americanos sabiam isto. Na verdade a irresponsabilidade deles é tão grande que estava a apostar a nada mais e a nada menos que a utilização de bombas atómicas. É possível que alguem duvide, é humano duvidar. Vou-lhes ler uma coisa.

Chester Crocker foi, durante todos estes anos, o Sub-Secretário de Estado dos Estados Unidos para os assuntos do continente africano, isto é, o vice-ministro de Relações Exteriores dos Estados Unidos para a África. Era um homem perfeitamente informado de tudo o que acontecia na África e tinha muitos contactos na zona. Depois que saiu dessa responsabilidade, escreveu um livro e vou ler o que esse homem escreveu nesse livro, repito, o sub-secretário de Estado para Assuntos Africanos dos Estados Unidos da América nessa época. Chester Crocker diz:

"Se Cuba houvesse transpassado a fronteira da África do Sul, tivesse produzido uma nova Coreia, com a diferença que tivessem sido empregadas armas muito fortes."

Então, se você tinha alguma dúvida, o que podemos concluir: em primeiro lugar o sabiam perfeitamente, não podem alegar desconhecimento nem que os sul-africanos não o dizeram, etc. sabiam-no perfeitamente; em segundo lugar, sabiam perfeitamente -e nesta frase se diz- que deixaram avançar, ou aspiraram, ou sonharam com que fossem empregues as armas nucleares contra as tropas cubanas.

Isto o revela tudo, e eu próprio diria: Tire você as suas próprias conclusões. Mas talvez aqui eu próprio vou-me trair um bocado sobre o que eu digo sempre. É que esta é uma das coisas mais irresponsável que lembro nos últimos tempos, que um dos países que se supõe que deva ser mais responsável, que se diz que está a negociar permanentemente tratados de limitações de armas estratégicas, que alerta os perigos nucleares, que diz que essa é uma das causas de possível intervenção da NATO na sua nova estratégia em qualquer parte, que tenha sido demonstrado que esse país tenha apostado à utilização de armas nucleares contra um exército que estava preparado, mas não as tinha. Isso é tão irresponsável... Foram usadas uma vez só em Hiroshima e Nagasaki, e logicamente foram usadas por eles; mas aqui apostaram a que o fizeram.

Finalmente, já que estamos a falar de direitos humanos, Nações Unidas, respeito à lei, gostaria dizer alguma coisa, e vou lê-lo para ser mais exacto.

Estes países que votaram contra Cuba: os Estados Unidos, a Alemanha, a França, etc. o fizeram, ouçam bem isto: primeiro, nas Nações Unidas foi apresentada uma resolução que dizia da seguinte maneira:

"Resolução contra a colaboração militar e outros tipos de colaborações com a África do Sul.

"Os Estados Unidos e o Reino Unido votaram para que fosse aprovada uma resolução que proibia a colaboração militar e qualquer outro tipo de colaboração com a África do Sul do apartheid", quer dizer, que o fizeram em secreto, e ajudaram em secreto; mas na hora de votar em público, nem sequer o aprovaram, embora fosse farisaicamente. O resto dos países da Europa Ocidental e o Canadá abstiveram-se a esta resolução contra esta cooperação militar.

A seguinte é a mais incrível ainda:

Uma resolução que condenava e proibia as relações entre África do Sul e o Israel - por todo este escandaloso tráfico nuclear, etc -foi votada, e todos os países, os Estados Unidos, o Reino Unido, os seus aliados europeus, votaram contra essa resolução, mas sabiam que o Israel tinha servido de ponte e traslado directo de tecnologia que permitia usar as armas nucleares para África do Sul.

FInalmente, se resta alguma dúvida sobre isto, há um tratado chamado tratado de não ploriferação das armas nucleares, e tudo isto que começou a ser feito durante decênios, e que foi feito em secreto, não foi outra coisa, com idependência do que se pense do tratado -estamos a falar da hipocrícia, do fariseísmo dos Estados Unidos e dos ocidentais, a isso é que faço referência, aos aliados da Europa Ocidental-, não há dúvida nenhuma de que toda essa actitude levou: um, a que fosse criada uma forte potência nuclear e que fosse desenvolvida uma incipiente -que repito, por sorte, não passou daí-; dois, o perigo, a irresponsabilidade com que os Estados Unidos da América fundamentalmente tratou todo este assunto.

De qualquer maneira nos poderiamos pensar: violaram um tratado, votaram contra resoluções que o único que fazem era tratar de evitar catátrofes, evitar problemas, votaram contra isto. Quem disse alguma coisa, quem perguntou alguma coisa? Qual Comissão das Nações Unidas se ocupou disso? A imprensa quase nem falou nisso. Quem responde por isto?

Carmen Rosa, gostaria acabar a dizer que aqui nestas mesas redondas, depois da votação em Genebra, foram colocadas coisas concretas e fortes, acusações de temas específicos. Estamos a falar de execuções, estamos a falar de proliferação de potências nucleares, de irresponsabilidades. Falou-se de Entendimento secreto; falou-se de violações da lei, contudo, ninguém, nem na imprensa, nem os funcionários, nem os governos responde.

Há dias aqui se falou do silêncio, e às vezes o silêncio é uma táctica, o silêncio é usado, não é só gritar. Não é só acusar. Às vezes o silêncio é a orientação que lhes é dada a muitos jornalista pagos por muitas pessoas, que desses há muitos por aí.

É muito curioso que sejam feitas acusações, e então se lhe dedicam folhas inteiras a coisas insignificantes, a coisas fabricadas se lhe dedicam dezenas de folhas, dezenas de entrevistas, paga-se satélites, paga-se tudo; contudo, são feitas acusações muito concretas aqui, muito específicas, e veja só o silêncio.

Carmen R. Báez.- Acho que é muito bom isto que você disse, Taladrid, no sentido de que para esta mesa redonda estivemos a procurar, porque muitas vezes estamos a realizar as mesas redondas e estão a entrar telex a informar o que foi dito, a responder; mas é verdade o que você diz, bom apesar de que o silêncio também outorga.

Reinaldo Taladrid.- Gostaria desafiar a qualquer pessoa -porque talvez tenha alguma dúvida- no melhor sentido, a nos desafiar a que nos desafie, que lhe iremos demonstrar se é ou não é assim, se há Entendimento secreto, se há orientações de um país para outro em embaixadas, se são fabricadas potências nucleares irresponsavelmente em zonas de alto conflito, se são assassinadas pessoas pelo estado extrajudiciariamente; que nos desafie que nós o demonstraremos. Fá-lo-emos com muito prazer, e se não nos desafiam, às vezes seria nesse caso uma confissão de parte... O silêncio seria a confissão de parte, e a confissão de parte, substituição de prova.

Lázaro Barredo.- De qualquer maneira gostaria acrescentar para acabar uma coisa. Independentemente do desafio, nós dissemos coisas a qui que deveriam dar muitas explicações, porque são reais. São dados, são elementos, são factos, e vale a pena responder estes factos.

Carmen R. Báez.- No público, como convidado, encontra-se o colega Iroel Sánchez, Presidente do Instituto Cubano do Livro, acho que seria muito importante que nos desse a sua opinião, porque foi combatente em Angola, e sobre tudo isto que tem estado a falar Taladrid, que falava da altura em que lá estavam as tropas cubanas e o desenvolvimento das armas nucleares na África do Sul, ele era dos combatentes que estavam em Angola a oferecer a sua cooperação.

Acho que seria muito bom ouvir a sua opinião nesta mesa e as suas experiências lá.

Iroel Sánchez.- Em honra a verdade, teriamos que dizer que o tema da hipocrícia ocidental na África, nomeadamente na sua cumplicidade com o regime do apartheid, ultrapassa o tema nuclear, também tem a ver com o armamento convencional e tem a ver com a possibilidade que teve África do Sul de se rearmar mais uma vez depois da derrota que sofreu em 1975 e 1976, e do grande golpe que lhe deram lá as tropas cubanas.

Desenvolveram novos armamentos, por exemplo, eles ficaram muito impactados com o BM-21 e copiaram-no, construiram o Backcri, um lança-missil múltiplo reativo, e para tal contaram com o apoio material e financeiro de Ocidente. Conseguiram desenvolver outros armamentos bastante sofisticados e conseguiram adquirir, por exemplo, caça-bombardeiros de combate Mirage, que não são fabricados no Terceiro Mundo, não são fabricados em Burundi, nem na Malásia, sã fabricados na França, nessa mesma França que acaba de votar contra nós em Genebra. Se for necessário provas estão aí os aviões Mirage derrubados pelas nossas tropas, o último deles tem um significado muito especial, foi derrubado na zona sul da cidade de Menongue, por uma zona próxima de um rio chamado Cuatid, e fio o último avião derrubado. Depois os sul-africanos não voaram mais, e isso foi a antessala da derrota que sofreram a 23 de Março em Cuito Cuanavale, onde os tanques sul-africanso cairam nos campos minados e aconteceu esse paradoxo que o Comandante-em-Chefe relatava, onde dizia: os tanques sul-africanos volavam e a aviação estava em terra.

Mas seria bom dizer que a actitude farisaica das potências ocidentais tem uma fundamentação histórica, porque foram essa potências coloniais as que convertiram em escravos a milhões de homens e mulheres durante séculos, foram as que alentaram o tráfico de negros pelo Atlântico, foram as que fomentaram as rivalidades tribais entre esses povos para poder desta maneira avançar nos seus interesses coloniais, foram as que em 1885 se dividiram este continente na Conferência de Berlim, marcando as fronteiras de forma arbitrária que até esta altura estão a provocar problemas e conflitos étnicos e territoriais, de vez em quando aparece neste continente; que também foi o Ocidente que empregou o mercenarismo como um método sistemático para fazer face aos movimentos de libertação desses países.

É bom apontar que lá os crimes e as vilações dos direitos humanos feitos por mercenários seriam suficientes para milhares de resoluções em Genebra. Deveriam desculpar-se com esses povos em vez de levantar calúnias.

Às vezes aparece alguma desculpa, que acho muito justa, ao povo judeu pelo holocausto; mas há holocausto, que levamos aqui contando séculos de milhões de homens e mulheres deste continente, ao que é somado isto que fizeram com os mercenários, e ninguém pede desculpa a esse povos.

É conhecido também, e está documentado, como a CIA fabricou e construiu com os seus fantoches, nomeadamente Chombe, Mobuto, Kasavuvu, o assassinato do primeiro ministro do Congo, Lumumba, isso aconteceu em 1961, e depois utilizou aos europeus, isto é os belgas, para deter o avanço dos patriotas lumumistas em 1964.

A 11 de Agosto de 1964, o Conselho de Segurança dos Estados Unidos, e isso consta, esses apontamentos existem, sob a direcção do presidente Johnson foi acordada, em colaboração como o primeiro ministro belga, Spaak, a contratação de mercenários europeus para que não aparecessem norte-americanos na intervenção no Congo-Zair. Isso está aí, pode-se procurar, chama-se NCC Mitin File, Box Nº 1, Biblioteca Lyndon Johnson.

Qualquer semelhança com o que estão a fazer hoje com a República Tcheca, que são os mercenários europeus desta ocasião, não é como nos filmes, não é pura coincidência.

Seria bom colocar a pergunta, o que estava a fazer Cuba nesses anos na África? Uns meses depois, em Janeiro de 1965, o Che no Congo reunia-se com o presidente do Congo Brazzaville, em Bazemba de Bat e com o presidente do MPLA, Agostinho Neto, e comecava a colaboração cubana com os movimentos de libertação na África negra, e falo na África negra con toda intenção, porque já em 1963 uma brigada cubana, com mais de 700 homens, tinha estado na Argélia a deter as pretensões expansionistas de Marrocos para a nascente República argelina, que acabava de livrar uma guerra de libertação que comoveu o mundo, e Marrocos tinha pretensões sobre territórios que tinham importantes jazidas de minérais.

Também sería salutar lembrar a intervenção da CIA em 1975, acho que estamos a assistir imagens da participação cubana lá nessa altura, a intervenção da CIA, através dos racistas sul-africanos, a UNITA, e a FNLA, o exército de Mobuto e também mercenários para conjurar a independência de Angola. John Stockwell que era o oficial da CIA, chefe dessa operação, escreveu um livro que se chama "A procura de inimigos", e narra muito bem tudo, como os Estados Unidos, em cumplicidade com os governos europeus, organizou esta operação, frustrada pela participação dos internacionalistas cubanos lá.

A partir dessa altura mais de 300 000 cubanos, combatentes, enfrentaram-se ao regime do apartheid aí, e junto dos - como disse Taladrid- patriotas da Namíbia e da Angola, conseguiram derrotar estrategicamente o regime do apartheid. Mas esses 300 000 cubanos estavam lá a defender os direitos humanos de milhões de homens e mulheres, cujo único pecado é ter uma cor de pele diferente daqueles que querem erigir-se em modelos de conduta e que foram cúmplices desse regime oprobioso, que foi o regime do apartheid.

Também seria bom apontar que hoje, ao passo que Cuba investe em milhares de médicos na África, na criação de universidades para a formação de médicos lá, as multinacionais desse mesmo Ocidente tiram de lá recursos por milhões de dólares, e não dedicam nem um centavo para resolver os graves problemas que tem esse continente. Cá se falou dalguns deles, nomeadamente 23 milhões de doentes da SIDA, que estão condenados a não salvar-se por esse mesmo sistema do qual se falau aqui.

Proponho-lhes ver o melhor resumo que se fez da batalha cubana pelos direitos humanos na África, que é a festa de gratidão para com o nosso povo, que constituiu a presença de Fidel no Parlamento Sul-Africano.

Muito obrigado.

(Projecção do vídeo com palavras do Comandante)

Cuba é uma pequena ilha junto de um vizinho muito poderoso, mas nos estabelecimentos de ensino em Cuba foram formados 26 294 profissionais e técnicos (Aplausos), e foram treinados 5 850 de vários países da África (Aplausos).

Há um total de "80 524 cooperantes civis cubanos, deles 24 714 médicos, dentistas, enfermeiras e técnicos da saúde, os que junto de dezenas de milhares de professores, engenheiros e outros profissionais e trabalhadores qualificados, têm prestado serviços internacionalistas na África; e 381 432 soldados e oficiais estiveram de plantão ou combareram junto dos soldados e oficiais africanos neste continente pela independência nacional, ou contra a agressão externa durante mais de 30 anos. Uma cifra de 461 956, num breve período histórico. Das terras africanas, nas que trabalharam e lutaram voluntária e desinteressadamente, só trouxeram de volta para Cuba os restos dos seus colegas que morreram e a horra do dever cumprido."

(Passam um vídeo com imagens onde a população africana canta ao Comandante-em-Chefe.)

Carmen R. Báez.- Sempre que vejo essas imagens fico comovida, porque não é só pelo canto a Fidel, é o canto a um símbolo que resume também como o povo tributa e colabora com os países dos quais proviemos, todos temos no sangue alguma coisa deles; e também esse canto é o agradecimento desses povos ao sacrifício do nosso. Isso é o que significa. E ver que são representantes desse povo, com esse canto tão sentido, emociona.

E falando da África, falando da Europa e falando de racismo, seria bom dedicar uns minutos a um tema como como esse. Cá se falou nisso em várias vezes temos dois jornalistas na nossa mesas redonda que nos poderiam ajudar a aprofundar um bocado um aspecto como o racismo e a Europa.

Gostaria pedir a Pedro de la Hoz e a Arsenio que nos ajudaram ir fechando todo este bloco que temos dedicado a Europa com um tema tão interessante como este.

Pedro de la Hoz.- Acho que vale a pena tentá-lo, porque o racismo e a xenofobia são temas muito enraizados na trama histórica dos países que exerceram o voto contra Cuba em Genebra.

Nestes países têm proliferado as mais terríveis teorias discriminatórias. Lembremos que desde o anti-semitismo secular até essas teses enlouquecidas, delirantes e horríveis que colocam a superioridade étnica na base da cor da pele, e isso que têm chamado a suposta pureza do sangue.

Na verdade, esses padrões racistas estiveram presentes como um componente essencial na ideologia que acompanhou o estabelecimento da exploração colonial na Ásia, na África e na América latina, e isso todos nós o sabemos. A brutal e prolongada pilhagem das colônias esteve acompanhada pelo extermínio, o submetimento e a degradação cultural dos povos originários dos territórios colonizados, ações que, também todos sabemos, pretenderam-se justificar ou fundamentar, através da presunção de uma superioridade racial e de civilização que não admite, na verdade, nem a mais mínima argumentação científica, nem a mais precária sustentação moral.

Colegas, nunca será suficiente lembrar como na nossa América -para não ir muito longe- civilizações que tinham alcançado níveis de organização, conhecimento e desenvolvimento espiritual, realmente avantajados, foram exterminadas, desarticuladas e submetidas pelos invasores europeus que eram mais avançados em tecnologias militares e que empregavam o cavalo.

Para esse europeus -vale a pena lembrar-, que troxeram terríveis doenças que cá eram desconhecidas e que dizimaram com essa doenças a populações inteiras, os nativos americanos não tinham alma nem condição humana. Para eles também não os africanos, que foram arrancados das suas terras pela força para serem escravizados, eram pessoas que tinham condição humana. Para mim isso é uma coisa terrível.

Quando lemos as crónicas da época, reparamos que ser negro era ser uma besta selvagem; inclusivamente eram chamados peças de ébano, ou sacos de carvão, na linguagem do tráfico de negros, o que são termos simplesmente nojentos.

É claro que, alguem poderia pensar que estou a falar em história antiga; mas, Carmen Rosa, acredito que era necessário, pelo menos, dedicar esses minutos a contextualizar donde vem tudo isso, conhecer as origens.

O racismo e a xenofobia não são histórias antigas neste caso, são prácticas quotidianas nos países que nos acusam de violar os direitos humanos, sobretudo nos países europeus.

Há que ver como muitas pessoas podem pensar que estão em decadência essa tendências racistas e xenófobas, porque é verdade que se fala em multi-culturalidade, multi-racialidade, e inclusive há formulações políticas e jurídicas sobre esta questão; mas, infelizmente, persistem o racismo e a xenofobia, e persiste tanto no olhar paternalista, por cima do ombro com que o Norte olha para o Sul, da qual se falava aqui, e olhada que implica uma percepção racista no ordenamento mundial, quanto no interior desses países, onde cada dia aumenta mais de maneira sutil, e às vezes nada sutil, a discriminação e a xenofobia como vírus que têm penetrado muito bem no tecido social destas sociedades.

Como é claro, levaria-nos horas inteiras a expor a grande lista de infortúnios racistas e xenófobos que foram e ainda são registados nestes países, dos que são víctimas -e isso gostaria esclarecê-lo muito bem- não só os cidadãos originários dos antigos territórios coloniais, inclusive não só pessoas que têm adquirido a cidadania, isto é os que viajam da África, da Ásia e da América Latina e adquirem a cidadanias destes países europeus de segunda e terceira geração, só que têm uma outra pigmentação da pele e outra origem étnica.

Ora bom, também acredito que vale a pena analisarmos nem que seja de maneira sucinta, uma outra coisa que é uma grande verdade e que é uma pergunta que se fazem muito dos nossos telespectadores e radiouvintes que é o seguinte: O quê é que fazem na Europa Ocidental tantos africanos, asiáticos, latino-americanos e por quê ficam lá se são discriminados?

Bom, em primeiro lugar temos que ter em conta que estas pessoas provêm de países que foram pilhados, de países subdesenvolvidos, pobres, de antigas colónias, e que vêem na Europa, nas antigas metrópoles, uma oportunidade de sobrevivência, uma oportunidade para enviar dinheiro as suas famílias que ficaram no seu país, e isso deve ter-se em conta.

Em segundo lugar, a Europa atraiu muitas destas pessoas, tanto às antigas gerações quanto aos que entraram há poucos anos, quando necessitou de mão de obra barata e para que realizassem trabalhos que os próprios europeus não querem realizar. Como é lógico, agora há um problema: com os avanços técnico-científicos, com os novos recursos tecnológicos e com a elevação brusca da produtividade que teve lugar, com a informática e a robotização nos últimos anos trouxeram o desemprego dentro dos próprios cidadãos europeus, esta Europa Ocidental tem estabelecido restricções migratórias, o que é um paradoxo: de uma parte necessitou numa altura a este emigrantes e doutra agora faz restrições. Há uma relação muito tensa entre emigração e aceitação de emigrantes na Europa de hoje.

E, em terceiro lugar, no caso dos asiáticos e dos africanos, é necessário contar com os deslocados pelos conflitos bélicos; conflitos nos quais a Europa muitas vezes está em conluio com os Estados Unidos, que é, lógicamente, o principal responsável. É claro que, muitos desses deslocados vão para a Europa.

No caso dos latino-americanos, quero frisar uma coisa, há milhares de latino-americanos que se estabeleceram lá nos anos 70 e 80, durante a época das ditaduras militares apoiadas pelos Estados Unidos. Muitos governos europeus, é bom sublinhá-lo, deram-lhe asilo e abrigo e é por isso que hoje há lá tantos latino-americanos estabelecidos. Porém, ainda há muitos mais que se sentem atraidos por uma Europa que não sofre a catástrofe neoliberal, como a sofrem os países latino-americanos e que vão lá com a miragem daquelas políticas de bem-estar social e de solidariedade, já hoje desaparecidas, com as que se beneficiaram seus compatriotas anos atrás; e, logicamente, aspiram a se estabelecer na Europa para se integrar às comunidades latinas existentes no velho continente.

Insisto, contra esses africanos, asiáticos e latino-americanos se exercem práticas racistas e xenófobas.

Na Grã Bretanha -para entrar rapidamente na ordem dos exemplos-, um país que votou contra Cuba em Genebra, temos o caso de Stephen Lawrence, um homem negro, vítima de um ataque não provocado por ele, a Sul de Londres em 1993. Quando a polícia metropolitana chegou ao lugar dos acontecimentos, encontra-o com uma facada na garganta e o deixou desangrar-se; após 5 anos, nunca se chegou a esclarecer o quê foi que aconteceu com os culpados do que lhe sucedeu a Stephen Lawrence. Esse é um caso.

Devido a esse caso, o escândalo foi tal, que a polícia metropolitana londinense teve que estabelecer uma denominada FORÇA ESPECIAL SOBRE DELITOS RACISTAS E VIOLENTOS, a qual, não obstante, até ao ano passado não pudera elucidar a linchagem de um músico de origem caribenha chamado Michael Menson y de Ricky Reele por parte de jovens brancos neo-nazis ou com ideias fascistas.

Vamos para um outro país, à França -a França que somou o seu voto na Resolução anti-cubana-; casos dos que vou falar: Setembro de 1998, cidadãos de Sri Lanka que pretendiam entrar na França como imigrantes, foram amordaçados e espancados no momento da expulsão por parte das autoridades migratórias; viram-se na necessidade de radicar esta denúncia perante organismos internacionais, visto que não foram atendidos nem nas comissarias nem nos tribunais franceses.

Mesmo agora, muito recente, podem procurar nos jornais e além disso, nestes dias até passou no Noticiário de Televisão: Abril de 2000, há apenas uma semana: estouraram distúrbios e manifestações nas ruas da cidade francesa de Lille, qual o motivo?, o assassinato de um argelino por motivos raciais.

Agora, brevemente, passemos para um outro país, a Alemanha -que também votou em favor da Resolução anti-cubana em Genebra. Cá tenho um relatório do Comité Contra a Tortura, da ONU, que expressou em 1999 a sua preocupação pelo baixo índice de procesamiento das denúncias por maus tratos policiais contra imigrantes e cidadãos de origem estrangeira. As autoridades germânicas só se mantiveram em silêncio como resposta perante esta denúncia radicada na ONU.

Acho que os nossos telespectadores e rádio-ouvintes não esqueceram o acoso e a queima de uma família turca, que foi um dos factos mais horríveis que se passou pela televisão. Aconteceu em Solingen a começos dos anos 90, o que resultou ser o acontecimento mais infame de expressão xenófoba que tem vitimado à população turca na Alemanha, como todos sabemos, e os próprios alemães sabem disso muito bem.

Isso é ou não racismo? Estas não são práticas xenófobas que existem atualmente? Julgo que é preciso falar nisso, falar duro e bem.

Arsenio Rodríguez.- Agora que o Pedro fala sobre o racismo, gostava acrescentar alguns elementos e fazer uma reflexão que me veio à mente enquanto olhava as imagens, imagens que não são precisamente das origens desta situação na Europa, mas muito contemporáneas, de há uma semana, uns dias, e como vemos a repressão que existe contra os negros, os mulatos, os ciganos, etc.

Ora bom, muito mais perigoso, digamos, do que essa repressão que se origina nas ruas, é o conceito racista que muitos destes governos têm sobre o que constitui a maioria da população mundial que reside nos países do Terceiro Mundo.

Para muitos destes governos que ocultam em um discurso demagógico esses conceitos racistas, os povos que vivemos no Terceiro Mundo somos incapazes de desenvolver os nossos próprios países, e inclusive, de até governar-nos. A história demonstrou que isto é muito perigoso, e sabemos que o nazismo existiu no planeta graças a este tipo de critério. E com o nazismo existiram os campos de concentração, e com os campos de concentração a eliminação física de milhões de seres humanos que também eram considerados inferiores.

Concepções racistas similares -já aqui se falou no tema- permitiram, perante o comprazimento europeio, norte-americano e doutras nações desenvolvidas, o criminoso sistema do apartheid, que como também se explicou aqui não desapareceu pela boa fé destes governos, mas simplesmente por razões que já foram explicadas.

Ora bom, o quê acontece? Em todas essas nações que votaram contra Cuba em Genebra, há presença de grupos neonazistas, racistas e xenófobos que, além disso, não só são grupos de delinqüentes e inadaptados, senão que ademais conformam partidos políticos que, nalguns países como a França, a Alemanha e Itália, inclusive chegaram a ocupar determinada posição eleitoral em eleições recentes. E para não ir mais longe, na Austria concretamente, hoje fazem parte da coligação de governo.

O que demonstra a essência deste fenómeno é que, simplesmente, nesses países existe o fenómeno e não é combatido, visto que é compartilhado por esses governos.

Hoje, a história oficial nessas nações, infelizmente, não explica às novas gerações o criminoso passado colonial de exploração e pilhagem das nossas nações, a destruição das nossas culturas, como apontava o Pedro, o massacre dos nossos aborigens; somos, simplesmente, e o reitero porque é a concepção oficial deles, povos inferiores.

Gostaria colocar um inquérito recente feito pela Comissão Européia, que é o órgão executivo da União Européia, em que se reflecte -e faço citação textual- que "mais de 33% dos europeus consideram-se racistas ou muito racistas". Isto é o que justifica a inauguração há poucos dias em Viena, a capital de Austria, daquilo que chamam Observatório Europeu para o Racismo e a Xenofobia, e que o presidente desta comissão, o italiano Romano Prodi, qualificou esta instituição como um meio para atingir uma informação objectiva e confiável.

Na minha opinão, julgo que o primeiro caso que esta instituição irá analisar é a tentativa de assassinato de um adolescente negro de 17 anos em Londres, de nome Christopher Barton, que se encaminhava tranqüilamente para sua casa e um grupo de brancos tentou queimá-lo. Barton não morreu, mas recebeu atendimento por várias queimaduras.

Como pode ver, Carmen Rosa, esses são apenas alguns exemplos concretos de violação dos direitos humanos dessas nações que agora tentam nos condenar.

Carmen R. Báez.- Pedro, nós conversamos nalgumas ocasiões dalgumas vivências pessoais que você tem. Acho que ainda resta um bocado de tempo, que bem poderíamos compartilhar, talvez com alguns telespectadores; sobre a experiência que tiveste aquando da cobertura de eventos culturais na Europa.

Acho que seria muito bom que o pudéssemos compartilhar, e talvez muitos telespectadores encontrem também semelhança com coisas que lhes tenham ocorrido a eles ou aos seus próprios familiares.

Pedro de la Oz.- Posso colocar dois exemplos, poderia colocar mais, porém são dois exemplos dos quais fui testemunha.

Um deles ocorreu no ano 1993, quando estava fazendo a cobertura de uma tournee internacional do Coro Exaudi, um coro excelente que quase todos os telespectadores, com certeza, conhecem. Saíamos da Bulgária e entrávamos na Alemanha, por Munique. O coro estava integrado, nessa ocasião, por 10 homens e 10 mulheres, isto é, extenso. Quando fomos entrar as autoridades migratórias separaram -reparem a casualidade- os três homens negros e à única moça negra que faziam parte do coro. Como aquela retenção já era demorada, fui averiguar o que acontecia, e com um cinismo e uma frialdade espantosa aquela autoridade diz-me: "cá estão apreendidos porque como são negros e vêm da Bulgária, é preciso revistá-los bem, porque a nossa experiência nos diz que é possível que sejam narcotraficantes, mulas, que levem narcóticos." Essa é uma história.

O segundo exemplo: Estou em Madrid, em 1997, por ocasião da entrega do Prémio Ibero-americano da Música "Tomás Luis de Victoria" ao professor Harold Gramatges. Estou num restaurante, no Madrid de los Austria, e reparo em duas moças negras que vão entrar no restaurante e dois guardas lhes pediram a documentação à entrada. Pegam nos seus documentos e as deixam ir. Então o dono do restaurante lhe comentou aos fregueses que estavam no local: "Bom, ainda bem que eram turistas, porque como eram dominicanas, imaginem vocês, se chegam a ser as que vivem aqui, os guardas julgam que são prostitutas, porque a prostituição é a industria nacional da República Dominicana, é o principal produto que exportam para Espanha."

Acho que, simplesmente, sobram os comentários, é uma questão verdadeiramente repugnante.

Agora, antes de concluir, ou para fechar já o tema, gostava sublinhar algo que tenho por aqui, que não gostava deixar de dizer, e é uma última observação sobre um país europeu não ocidental -porque, hoje também publicamos a lista da votação, no início do programa- que votou contra Cuba em Genebra, falo da Roménia, e não vamos falar de história antiga, mas muito recente, recente demais: Junho do ano passado, cidade de Sruleti: dezenas de policiais irromperam em moradias de ciganos, espancaram mulheres e crianças. Um cigano saiu às corridas e três agentes dispararam-lhe pelas costas. Não aconteceu nada. Ninguém se importou pela denúncia.

Mais outro, o último: Janeiro de 1999 -isto é, há um ano e poucos meses-, cenário: uma discoteca de Bucarest. O dono nega-se a admitir no seu interior três casais formados por jovens negros com moças romenas. Ao ouvir a discusão, um grupo de bêbados sai do local e dá pauladas, espancamentos de todo tipo àqueles três casais.

O importante é isto: há um homem com a sua câmara de vídeo a filmar a cena, a polícia o ve, pede-lhe a fita de vídeo como testemunho para usá-la num julgamento que ainda não se fez. Acontece que este amador, por sorte, tinha feito uma cópia dessa fita e a remeteu para um festival de documentários que é onde único se conseguiu passar.

Julgo que com estes testemunhos, que apenas são a ponta de um iceberg gigantesco de ineqüidades e violações dos direitos humanos, podemos ilustrar com factos, como o racismo e a xenofobia são temas de uma atualidade dilacerante.

Carmen R. Báez.- Muito obrigada Pedro; Lázaro está a pedir a palavra.

Lázaro Barredo.- Queria acrescentar a tudo isso, que esse racismo e essa xenofobia têm, inclusive, manifestações muito mais criminosas e sofisticadas hoje, nessa Europa culta, que votou contra nós insensivelmente, como já foi explicado.

Conheci -e publiquei uma reportagem em Juventud Rebelde, há já algum tempo-, a história das "casas de ceva", que foi uma coisa que me impactou tremendamente, visto que na verdade resulta ultrajante para os sentimentos das pessoas.

O quê é a "casa de ceva"? Simplesmente, é uma incrível manifestação racista na Europa: em várias capitais Européias, sabe-se disso, são seqüestradas crianças de países do Terceiro Mundo, nomeadamente, Tailândia, América Latina e mais recentemente de países europeus, sobre tudo, pelos olhos. São crianças abandonadas, meninos da rua, que essa gente, de forma clandestina ou em tráfico humano, levam para essas capitais Européias, começam a curá-los, têm médicos para dar-lhes atendimento, ficam bem saudáveis, e a partir desse momento começam a vender os seus órgãos. Vendem os olhos de uma criança, o fígado, os rins, vendem diferentes partes dessa criança, mutilam-na até torná-la um farrapo humano, uma coisa que deve ser deitada fora; até que dão cabo da vida dessas crianças. E isso existe na culta Europa, essa é uma manifestação de racismo em beneficio racial de uma classe superior.

Este artigo o publiquei em Juventud Rebelde. Comecei a saber disso, precisamente, na Cimeira Mundial dos Direitos Humanos, em Viena, em 1993, e foi um tema que depois estive a acompanhar, e que é uma manifestação ainda mais criminosa desse racismo de que estamos a falar.

Carmen R. Báez.- Quando estávamos a preparar esta mesa redonda e pensávamos nos temas que podíamos ir abordando, com toda intenção queríamos que o racismo fosse um dos temas que encerrasse a sessão de hoje. E fazendo uma escolha junto dos companheiros da Televisão Cubana, decidimos que há um material que ao nosso ver resume muito bem este tema, e também a actitude da Europa para com os países do Terceiro Mundo.

Há pouco concluiu em Havana a Cimeira Sul, e nela o nosso Comandante deu a sua opinião nesse sentido. Gostaria que os companheiros do Instituto Cubano de Rádio e Televisão nos permitissem assistir um trecho desse discurso de encerramento da Cimeira Sul celebrada em Havana. Faz favor.

(Passam vídeo).

O mundo rico pretende esquecer que as causas do subdesenvolvimento e a pobreza foram a escravatura, o colonialismo, a exploração e pilhagem brutais a que foram submetidos durante séculos os nossos países. Olham-nos como povos inferiores. Atribuem a pobreza que sofremos à suposta incapacidade dos africanos, dos asiáticos, dos caribenhos e dos latino-americanos, isto é, dos negros, dos índios, dos amarelos e dos mestiços, para desenvolver-nos e, inclusive, para governar-nos. Falam dos nossos defeitos como se eles não fossem os que lhes inculcaram às nossas étnias sadias e nobres os vícios daqueles que nos colonizaram ou exploraram.

Também esquecem que quando a Europa estava povoada por aqueles que o império romano chamava de bárbaros, na China, na Índia, no Longínquo e Próximo Orientes, no Norte e Centro da África, existiam civilizações que criaram o que ainda é conhecido como Maravilhas do Mundo, e desenvolveram a linguagem escrita antes de que os gregos soubessem ler e o Homero escrevesse a Ilíada. No nosso hemisfério, os Maias e as civilizações pré-incaicas tinham alcançado conhecimentos que ainda hoje assombram o mundo.

Tenho a mais firme convicção de que a actual ordem económica imposta pelos países ricos não só é cruel, injusta, desumana, oposta ao curso inevitável da história, mas também portador de uma concepção racista do mundo, como as que no seu tempo inspiraram na Europa o nazismo dos holocaustos e dos campos de concentração que hoje no Terceiro Mundo chamam de centros de refugiados, e que realmente são concentrados pela pobreza, a fome e a violência; as mesmas concepções racistas que na África inspiraram o monstruoso sistema do apartheid.

Carmen R. Báez.- Essa é, na nossa opinião, a denúncia mais forte feita na Cimeira Sul. Mas acho que seria bom que víssemos a reação dos presentes na referida Cimeira.

(Passam vídeo).

Só assim evitaremos que o navio de que falava nas minhas palavras de boas-vindas, choque contra o icerberg e afundemos todos.

Só assim nos esperará a vida e não a morte.

Muito obrigado.

(As palavras do Comandante-em-Chefe receberam uma grande ovação).

Carmen R. Báez.- Esse é o Terceiro Mundo.

Nestes dias, nestas duas sessões desta mesa redonda, estimados telespectadores, temos estado a analisar quem é, por dentro, esse grupo da Europa Ocidental e outros estados que votaram contra Cuba na Comissão de Direitos Humanos em Genebra: a Alemanha, o Canadá, a França, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal, Espanha, o Reino Unido e os Estados Unidos, foram mencionados uma e outra vez aqui quando falamos de novas formas de intervenção, quando falamos da posição da NATO e da Europa na guerra da Iugoslávia; quando falamos da posição da NATO e da Europa em relação à soberania; quando falamos da posição da Europa sobre o bloqueio ao Iraque; quando falamos do Reino Unido e dos Estados Unidos nos bombardeamentos que ainda são executados contra o Iraque.

Falamos da Europa por dentro e por fora, no dia a dia: temos falado de execuções extrajudiciárias, de racismo, de brutalidade policial. Mas também nestes dois dias de mesa redonda estivemos a falar de uma Europa do braço, ou poderíamos dizer de mãos dadas, que não é a mesma coisa embora pareça igual, com os Estados Unidos; uma Europa que se deixa conduzir muitas vezes pelos Estados Unidos em relação a Cuba. O entendimento, a posição comum foram temas abordados na tarde de hoje.

Falamos da Europa, da NATO, da nova concepção estratégica, da dupla moral em relação ao desenvolvimento das armas nucleares em países como Israel e a África do Sul; temos falado da Europa e da sua "vontade" para ajudar os países subdesenvolvidos, os países que eles próprios se atrevem a julgar e a condenar na Comissão dos Direitos Humanos de Genebra.

Os tão cultos, civilizados e poderosos, a Alemanha -e desculpem que volte a repetir, mas julgo que resulta muito importante-, o Canadá, a França, Itália, a Espanha, o Reino Unido, os Estados Unidos e alguns outros, têm, induvitavelmente, um indicador que é símbolo de acusação, de repreensão muitas vezes, ou de indicação hipócrita demais, imoral, e acho que carcomido demais para se acreditar que um povo como o nosso vai dobrar as suas convicções perante tanta prepotência.

Estamos fechando uma parte da análise que fizemos da votação feita em Genebra na Comissão de Direitos Humanos.

Sabemos, caros telespectadores, que vocês estão desejosos de terem notícias de Elián, de Juan Miguel, de Nersy e de Hianny. O Noticiário Nacional da Televisão Cubana tem preparado um material para nos atualizar sobre os últimos acontecimentos.

Nós, pela nossa parte, continuamos na batalha junto de vocês, e amanhã em mesa redonda, continuaremos analisando as injustiças que são cometidas neste mundo. Continuaremos na batalha pelo regresso da família de Elián e o reencontro total aqui na sua pátria, e também continuando na dissecção iniciada sobre todos os que votaram contra Cuba na Comissão de Direitos Humanos em Genebra.

Muito obrigado a todos vocês.