Reflexões do companheiro
Fidel
A
SUBLEVAÇÃO NA ONU
(PRIMEIRA
PARTE)
A reunião da
terça-feira passada, 26 de outubro, da Assembléia Geral da ONU, que se supõe
seja a máxima autoridade política do planeta, foi convocada com um objetivo
tantas vezes repetido que já se torna familiar: “Necessidade de pôr fim ao
bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos da
América contra Cuba.”
É o projeto mais
discutido, mais aprovado e nunca cumprido na história das Nações Unidas.
Todos sabemos que,
se tal imputação fosse feita contra Cuba ou contra qualquer outro país
latino-americano ou caribenho e ele fazer ouvidos moucos disso, sobre esse país
choveriam críticas. O ato detestável que com tanta clareza e precisão é
atribuído aos “Estados Unidos da América”, cujo fim é exigido, é classificado
pelo direito internacional de “ato de genocídio”.
Eleva-se já a 19 o
número de vezes que, a partir do ano
Um fato a levar em
conta é que no mundo aconteceram grandes mudanças desde a fundação da ONU,
quando ainda não tinham cessado os combates da Segunda Guerra Mundial, que
custou 50 milhões de vidas e uma enorme destruição. Muitos países que hoje
constituem a maioria das Nações Unidas ainda eram colônias das potências
européias, que se apoderaram pela força do território da maior parte do mundo
e, nalguns continentes, quase de sua totalidade. Centenas de milhões de
pessoas, em muitos casos, de civilizações muito mais antigas e de superior
cultura, foram submetidas ao coloniagem em razão da superioridade em armas dos
agressores.
Cuba não foi uma
exceção.
Neste hemisfério,
o nosso país foi a última colônia da Espanha devido a suas riquezas em produtos
agrícolas escassos e na altura de grande procura , que surgiam das mãos
trabalhadoras dos camponeses livres e de centenas de milhares de escravos de
origem africana. Quando o resto das colônias da Espanha era já livre nas
primeiras décadas do século XIX, esta mantinha com mão de ferro e os métodos
mais despóticos sua colônia em Cuba.
Na segunda metade
desse século, nossa ilha, na qual a Espanha sonhou ter um baluarte para a
reconquista de suas antigas colônias na América do Sul, foi berço de um
profundo sentimento nacional e patriótico. O povo cubano iniciou a batalha por
sua independência quase 70 anos depois do que as outras das nações irmãs da
América Latina, sem outra arma que não fosse a catana com a qual se cortava a
cana-de-açúcar e o brio e a rapidez dos cavalos crioulos. Em pouco tempo os patriotas
cubanos viraram temíveis soldados.
Trinta anos mais
tarde nosso sofrido povo estava a ponto de conseguir seus objetivos históricos
na luta heróica contra uma decadente, mas obstinada potência européia. O
exército espanhol, apesar do enorme número de soldados que tinha, era já
incapaz de manter a posse da ilha, onde apenas controlava as principais áreas urbanas e estava à beira do colapso.
Foi então quando o
pujante império, que nunca ocultou sua intenção de se apoderar de Cuba, interveio
naquela guerra, após ter declarado cinicamente que “o povo da ilha de Cuba é e por
direito deve ser livre e independente”.
Depois de
concluída a guerra, negaram ao nosso país o direito de participar nas
negociações de paz. O governo espanhol consumou a traição a Cuba colocando-a
nas mãos dos seus interventores.
Os Estados Unidos
se apoderaram dos recursos naturais, das melhores terras, do comércio, dos
bancos, dos serviços e das principais indústrias do país. Tornaram-nos uma
neocolônia. Durante mais de 60 anos suportamos isso, mas viramos independentes
e jamais deixaremos de lutar. Com esses antecedentes, os leitores de outros
países compreenderão melhor as palavras do nosso chanceler Bruno Rodríguez no
dia 26 de outubro deste ano.
O debate começou
às 10h00 da manhã.
Primeiramente
falaram cinco países em nome do Grupo dos 77, do Movimento dos Países Não-Alinhados,
da União Africana, do CARICOM e do MERCOSUL, apoiando todos a Resolução.
Mais tarde
intervieram 14 países, entre eles dois que têm mais de um bilhão de habitantes
cada um: a China e a Índia, com quase 2 500 milhões entre ambos os dois; outros
que têm mais de cem, como a Federação da Rússia, a Indonésia e o México; outros
9 com um reconhecido papel na vida internacional, a saber: a Venezuela, a
República Islâmica do Irão, a Argélia, a África do Sul, as Ilhas Salomão, a
Zâmbia, a Gâmbia, o Gana e o Barbados; foram 19 intervenções antes de Bruno.
Seu discurso foi
lapidário. Citarei muitas vezes parágrafos inteiros de suas palavras. O iniciou
fazendo uma referência aos graves perigos de guerra que nos ameaçam e
acrescentou:
“Para sobrevivermos, torna-se imprescindível um salto na consciência da
Humanidade, só possível mediante a difusão de informação veraz sobre estes
temas, que a maioria dos políticos oculta ou ignora, a imprensa não publica e
que, para as pessoas, são tão horrorosos que parecem incríveis.”
“...a política dos Estados Unidos contra Cuba não tem sustento ético ou
legal algum, credibilidade nem apoio. Assim fica demonstrado com os mais de 180
votos nesta Assembléia Geral das Nações Unidas, que nos últimos anos exigiu que
se ponha fim ao bloqueio econômico, comercial e financeiro.”
“O rechaço da América Latina e do Caribe é enérgico e unânime. A Cúpula
da Unidade, efetuada em Cancún, em fevereiro de 2010, expressou-o resolutamente.
Os líderes da região comunicaram-no diretamente ao atual presidente
norte-americano. Pode reafirmar-se que o repúdio expresso ao bloqueio e à Lei
Helms-Burton identifica, como poucos temas, o acervo político da região.”
“Visões igualmente inequívocas foram referendadas pelo Movimento dos
Países Não-Alinhados, pelas Cúpulas Ibero-americanas, pelas Cúpulas da América
Latina e do Caribe com a União Européia, pela União Africana, pelas Cúpulas do
Grupo ACP e praticamente por qualquer conjunto de nações que se tenha
pronunciado a favor do Direito Internacional e do respeito aos princípios e
propósitos da Carta da ONU.”
“É amplo e crescente o consenso na sociedade norte-americana e na
emigração cubana nesse país contra o bloqueio e a favor da mudança de política
para Cuba. [...] 71% dos estadunidenses advogam pela normalização das relações
entre Cuba e os Estados Unidos...”
“As sanções contra Cuba continuam inalteráveis e são aplicadas com toda
dureza.”
“No ano 2010, o bloqueio econômico recrudesceu-se e o seu impacto
quotidiano continua a ser visível em todos os aspectos da vida
A seguir, enumera uma série de cruéis medidas que afetam sensivelmente
às crianças com delicados problemas de saúde, que o Governo dos Estados Unidos
não poderia desmentir.
Depois expressa:
“As multas dos Departamentos do Tesouro e Justiça contra entidades de
seu país e da Europa, neste último ano, por transações feitas com Cuba, entre
outros Estados, ultrapassam no seu conjunto os US$ 800 milhões.”
Continua informando:
“A confiscação de uma transferência de mais de 107 mil euros,
pertencente à companhia Cubana de Aviação e realizada por meio do Banco Popular
Espanhol de Madri a Moscou, foi um verdadeiro roubo.”
A seguir, nosso Ministro das Relações Exteriores exprime algo muito
importante sobre os efeitos do grosseiro crime contra a economia de Cuba devido
à tendência de mencionar cifras históricas sobre o montante em dólares do valor
de um bem móvel ou imóvel, um empréstimo, uma dívida o qualquer outra coisa que
seja medível em dólares norte-americanos, sem levar em conta o valor
constantemente decrescente do dólar nas últimas quatro décadas. Como exemplo cito
um refrigerante arqui-conhecido: Coca
Cola – sem cobrar nada pela publicidade. Há 40 anos custava 5 centavos,
hoje o seu preço oscila em qualquer país entre 150 e 200 centavos de dólar.
Bruno exprime:
“O prejuízo econômico direto provocado ao povo cubano, em conseqüência
da aplicação do bloqueio, ultrapassa, nestes cinqüenta anos, US$ 751 bilhões,
no valor atual dessa moeda.”
Quer dizer, não comete o erro de usar a cifra das perdas que significou
o bloqueio anualmente, como se o valor dos dólares fosse igual a cada ano. Em
conseqüência desta estafa mundial que significou a suspensão unilateral, por
Nixon, do respaldo em ouro dessa moeda, a uma taxa de 36 dólares por onça Troy,
unida às emissões de dólares sem nenhum limite, o poder de compra dessa moeda diminui
extraordinariamente. O Ministério das Relações Exteriores solicitou a um grupo
de peritos do Ministério da Economia que fizessem uma avaliação e o resultado
foi o prejuízo econômico provocado pelo bloqueio contra Cuba ao longo destes 50
anos, exprimidos no atual valor dessa moeda.
“No passado 2 de setembro” – disse na sua intervenção – “o próprio presidente Obama ratificou as sanções contra
Cuba, arguindo o pretenso "interesse nacional" dos Estados Unidos.
Contudo, todo mundo sabe que a Casa Branca continua prestando a maior atenção
aos "interesses especiais", bem financiados, de uma exígua minoria
que tornou a política contra Cuba um negócio bem lucrativo.”
“Recentemente, em 19 de outubro passado, o presidente Obama qualificou
segundo várias agências de notícias, de insuficientes os processos que, no seu
entender, têm lugar em Cuba e condicionou qualquer novo passo à realização das
mudanças internas que gostariam de ver em nosso país.”
“O presidente se engana ao pensar que tem direito de se intrometer e de
qualificar os processos que hoje têm lugar em Cuba. É pena que esteja tão mal
informado e assessorado.”
“As mudanças que hoje empreendemos são devidas à vontade dos cubanos e
às decisões soberanas de nosso povo. [...] Não têm por objetivo fazer a vontade
do governo dos Estados Unidos, até hoje, sempre contrário aos interesses do
povo cubano.”
“Para a superpotência, tudo que não leve ao estabelecimento de um regime
que se subordine a seus interesses será insuficiente, mas isso não vai
acontecer, pois muitas gerações de cubanos dedicaram e dedicam o melhor de suas
vidas à defesa da soberania e da independência de Cuba.”
“Ao contrário, este governo continua com a prática arbitrária de colocar
Cuba nas espúrias listas, inclusive, na dos Estados que, pretensamente,
financiam o terrorismo internacional, feita pelo Departamento de Estado para
qualificar o comportamento de outras nações. Este país não tem autoridade moral
para fazer tais listagens - que deveria encabeçar - nem existe uma só razão
para incluir Cuba em nenhuma delas.”
“O governo norte-americano mantém também em injusta prisão os Cinco
cubanos lutadores antiterroristas há mais de doze anos em seus cárceres, cuja
causa concitou a mais ampla solidariedade da comunidade internacional.”
“Cuba, que foi e é vítima do terrorismo de Estado, exige deste governo o
fim da dupla moral e da impunidade de que gozam em seu território os autores
confessos de atos terroristas, perpetrados ao abrigo da política anti-cubana
desse país...”
Nesse ponto, Bruno desferiu um duro golpe na delegação dos Estados
Unidos com o famoso memorando do subsecretário assistente de Estado, Lester
Mallory, revelado dezenas de anos mais tarde, que mostra o repugnante cinismo
da política dos Estados Unidos.
"A maioria dos cubanos apóia Castro (...) Não existe uma oposição
política efetiva (...) O único meio possível para fazer-lhe perder apoio
interno (ao governo) é provocar o descontentamento e o desânimo, mediante a
insatisfação econômica e a penúria (...) É preciso utilizar imediatamente todos
os meios possíveis para enfraquecer a vida econômica (...) negando a Cuba
dinheiro e fornecimentos com o fim de reduzir os salários nominais e reais,
visando provocar fome, desespero e a derrubada do governo."
“Apesar da perseguição econômica constituir o obstáculo principal para o
desenvolvimento do país e para a elevação do nível de vida do povo, Cuba mostra
resultados incontestáveis na eliminação da pobreza e da fome, na saúde e na
educação, que são de referência mundial...”
“Cuba pôde declarar aqui, há umas semanas, um elevado e excepcional
cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Estes resultados,
conseguidos por Cuba, ainda são uma utopia para boa parte dos habitantes do
planeta.”
“Cuba nunca deixará de denunciar o bloqueio e
de exigir o direito legítimo de seu povo de viver e trabalhar em prol de seu
desenvolvimento socioeconômico em pé de igualdade, cooperando com as demais
nações, sem bloqueio econômico, nem pressões externas.”
“Cuba agradece à comunidade internacional a firme
solidariedade ao nosso povo, certa de que algum dia existirá justiça e não será
mais necessária esta resolução.”
“Muito obrigado”.
Disse para concluir a sua primeira intervenção.
Continuará amanhã.
Fidel Castro Ruz
31 de outubro de 2010
17h13